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COMÉRCIO MUNDIAL
Negociadores do Sul não gostaram do sermão adotado pela UE
Paternalismo europeu irrita latinos
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS
O documento final da Cúpula
União Européia/América Latina-Caribe só ficará definido às vésperas da reunião, marcada para o
dia 28, no México, porque os países latino-americanos ficaram irritados com o que consideram paternalismo europeu, ao tentar
"ensinar aos pobres como fazer
para terem sociedades mais igualitárias", conforme a Folha ouviu
de um dos negociadores.
O texto, de cerca de dez páginas,
será assinado por um número recorde de chefes de Estado/governo em reuniões entre os dois lados: 58, sendo 25 europeus e 33 latino-americanos e caribenhos,
entre eles o brasileiro Luiz Inácio
Lula da Silva.
O encontro de Guadalajara será
o primeiro de que tomarão parte
os governantes dos dez novos países europeus, que entraram para
o conglomerado no dia 1º.
A irritação dos latino-americanos e caribenhos nasceu com um
documento do mês passado, no
qual a Comissão Européia, o braço executivo do conglomerado,
comunica quais são os seus objetivos para a Cúpula tanto ao Parlamento Europeu como à Comissão (a instância máxima, formada
pelos chefes de governo).
Crítica social
O texto faz duras críticas à situação social da América Latina, começando por citar conhecidos
números sobre a pobreza na região, como os 227 milhões de pobres ou 44,4% da população. "Essa porcentagem é mais elevada
que a registrada na Europa Oriental, Oriente Médio e Norte da
África, embora a renda per capita
da América Latina seja maior do
que a dessas regiões", comenta a
Comissão.
Os negociadores do Sul não negam que a região tem imensos
problemas, mas gostariam que a
linguagem adotada fosse outra.
Ainda mais que o receituário
sugerido pelos europeus tem o
mesmo sentido de sermão.
Exemplo 1 - "É urgente, portanto, adotar políticas sólidas e eficazes destinadas a aumentar as possibilidades de acesso a serviços sanitários, educação e habitação de
qualidade, melhorar os sistemas
de proteção social e aplicar medidas de emprego tendentes a reduzir a segregação e a discriminação
nos mercados de trabalho."
Exemplo 2 - "As desigualdades
[sociais] pronunciadas estão estreitamente vinculadas a políticas
fiscais injustas e ineficientes."
Os latino-americanos não reclamam apenas do tom de sermão
usado pelos europeus, mas do fato de que não fazem menção aos
constrangimentos internacionais
que limitam a ação dos governos
latino-americanos e, às vezes, desestabilizam suas economias.
Reforma da ONU
Esse tipo de linguagem e de lacuna ressurgiu nas discussões entre diplomatas dos dois lados para
dar forma final ao documento de
Guadalajara. Conseqüência: o esboço ficou pronto mas com muitos trechos entre colchetes, a maneira usada para indicar que não
há acordo.
Agora, o rascunho está sendo
traduzido para ser remetido diretamente a Guadalajara, para novas rodadas de negociação, a partir de segunda-feira, para que o
documento fique pronto para a
assinatura dos governantes, no
dia 28.
Além da "coesão social", há divergências também no segundo
ponto-chave do documento, que
é a defesa do multilateralismo.
Como é óbvio, as duas partes estão de acordo em pôr toda a ênfase no papel que as Nações Unidas
devem desempenhar em qualquer situação global, mas há divergências sobre a linguagem a
empregar no capítulo que fala da
reforma da instituição.
O Brasil, candidato assumido a
um lugar no Conselho de Segurança, o coração do sistema Nações Unidas, achou muito fraca a
linguagem a esse respeito.
Obstáculos superáveis
Os negociadores ouvidos pela
Folha não vêem obstáculos insanáveis para fechar o texto, mas
deixam claro que um acordo não
deve tornar o documento excessivamente anódino. "É preciso dizer algo que represente uma efetiva mensagem política tanto sobre
coesão social como sobre multilateralismo", diz um deles.
A única parte já fechada é a que
trata do patrimônio birregional,
ou mais exatamente da cooperação entre os dois blocos, que de
fato tem se tornado mais e mais
importante. Nesse ponto, os europeus reconhecem os avanços, no
documento da Comissão ao Parlamento e ao Conselho:
"A União Européia, segundo
sócio comercial em importância
da América Latina, reforçou gradualmente seus vínculos econômicos e comerciais com essa região, de tal modo que o intercâmbio comercial mais que duplicou
no período entre 1990 e 2002", aumentando de 43,8 bilhões para
111,2 bilhões.
O documento de Guadalajara
fará menção também à expectativa de que o acordo comercial entre o Mercosul e a União Européia,
que está sendo finalizado, possa
ser assinado o mais breve possível
(em princípio, outubro é a data estabelecida).
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