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São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 2003

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RECEITA ORTODOXA

Para economista, taxa não pode cair de uma vez e não há provas de que Selic controle inflação e câmbio

Sistema quebra se juro despencar, diz estudo

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil tem a segunda maior taxa de juro real do mundo- descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses- para garantir que o sistema financeiro continue vivo. Essa é a conclusão de estudo do economista Alberto Borges Matias, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto.
De acordo com os cálculos de Matias, "se o governo baixar a Selic [juro básico da economia] para 10% ao ano, de uma vez, o sistema quebra em um ano e meio". Com a Selic nesse patamar, o país teria um juro real em torno de 2% ao ano, dentro da média praticada pelos demais países emergentes.
Mas o governo garante que mantém os juros altos para "esquartejar" a inflação, manter o câmbio sob cabresto e garantir a entrada de capitais no país. "Nenhuma dessas afirmações tem comprovação científica", afirma Matias.
Ao contrário: o estudo mostra que, quando aumenta a taxa Selic, a inflação sobe junto, numa correlação positiva de 53%. "As empresas repassam o aumento dos custos financeiros aos preços", diz.
Também o dólar não é brecado pelos juros. Segundo o estudo, após a liberação cambial, a correlação entre juros e câmbio é insignificante, de -8%.
Matias também rebate o argumento de que os juros altos evitam evasão de capital. "No mundo inteiro as taxas são bem inferiores às brasileiras e não há evasão de capital", lembra.

Sobrevivência
Os bancos brasileiros dependem de juros altos para sobreviver, porque, segundo Matias, têm hoje uma estrutura de custos em relação às operações de crédito que realizam muito acima dos padrões internacionais.
O custo estrutural (despesas com pessoal e administrativas) corresponde a menos de 5% da carteira de crédito dos bancos no nível internacional. No Brasil, esse custo é de 15% a 38% da carteira de crédito, dependendo da instituição. "Isso ocorre porque, historicamente, os bancos brasileiros oferecem pouco crédito", diz ele.
Em todo o mundo, o lucro dos bancos vem dessas operações. "No Brasil, entretanto, o governo sempre considerou que o crédito é inflacionário, pois gera consumo e pressão sobre os preços", diz Matias. Por isso, parte dos recursos depositados nessas instituições é recolhida ao Banco Central, compulsoriamente. "Os bancos também são vítimas dessa política. Hoje o total de recursos retidos no BC equivale ao volume de crédito concedido pelas instituições", acrescenta.
O volume total de crédito do sistema financeiro corresponde a apenas 24% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto na Alemanha é de 164%, por exemplo. "Os bancos não têm economia de escala, por isso precisam do apoio de políticas macroeconômicas para sua sustentabilidade", diz.
Antes do Plano Real chegou a ocorrer taxa de juro real negativa. O sistema financeiro se sustentava com a aplicação de recursos sem remuneração (depósitos à vista, recursos de cobrança e recursos de terceiros em trânsito) a altas taxas de correção monetária.
Os ganhos com o chamado "floating" totalizaram R$ 9,3 bilhões em 1994, apesar de apenas metade do ano ter registrado inflação alta. No ano seguinte, esses ganhos reduziram-se a R$ 1 bilhão, uma perda de R$ 8 bilhões, segundo cálculos de Matias.
Se tivesse sido mantida essa sangria nos bancos, Matias calcula que três anos depois do Real o sistema teria ido à lona. Seria o tempo necessário para corroer o patrimônio líquido dos grandes bancos, então de R$ 23 bilhões.
O equilíbrio nas contas veio pelo socorro dos juros elevados. "O Plano Real alterou a forma de financiamento do déficit público: em vez de financiá-lo via emissão de moeda, passou a fazê-lo pela emissão de dívida [títulos públicos]", diz Matias.
Já em 1995 o governo devolveu na forma de juros altos o que os bancos perderam com o "floating". Segundo o estudo, o resultado das operações de crédito e títulos dos grandes bancos foi de R$ 8 bilhões. Exatamente o valor do "floating" que evaporou.
Segundo Matias "a política monetária centrada nas elevadas taxas de juros acabou se perpetuando, pois, desde então, os bancos tornaram-se importantes financiadores de campanhas eleitorais e passaram a interferir diretamente na política econômica".


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