São Paulo, sexta-feira, 18 de junho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Afogado em números!

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Volto à questão do crescimento da economia em 2004. Peço a atenção do meu leitor da Folha para o gráfico nesta página. Ele mostra a evolução dos indicadores da produção industrial divulgados pelo IBGE mensalmente. São dados dessazonalizados para evitar que flutuações cíclicas na produção mensal influenciem uma leitura de longo prazo.
No gráfico, fica evidente a existência de três momentos distintos da atividade industrial: um período de forte desaceleração entre outubro de 2002 e julho de 2003 (1), um outro de forte aceleração que vai de agosto de 2003 até novembro do mesmo ano (2) e, finalmente, um terceiro, em que há uma estabilização da atividade industrial (3). As dinâmicas desses três períodos estão claramente associadas à política de juros do Banco Central: forte elevação da taxa Selic no primeiro, redução sistemática no segundo e estabilidade no terceiro.
Quando olhamos os juros de um ano, que são aqueles que afetam diretamente o comportamento dos consumidores e empresas, essa dinâmica das taxas é ainda mais acentuada, tanto na fase de aumento como na de redução. É uma evidência expressiva da correlação entre juros e atividade econômica, principalmente para aquela que depende do mercado interno.
Tenho seguido com muita atenção, por necessidade e prazer, a evolução da economia brasileira. É um trabalho diário que exige muita atenção às armadilhas das estatísticas econômicas e às mudanças que ocorrem no Brasil e no exterior. Conto com a colaboração sempre eficiente de uma economista brilhante, Sandra Petroncari, que trabalha comigo na Quest Investimentos.
Gostaria de alertar o leitor da Folha, como sempre procuro fazer neste nosso encontro semanal, para uma certa mistificação que o governo e a imprensa vêm fazendo sobre a intensidade da recuperação da economia neste ano de 2004.
Com essa finalidade, volto ao gráfico da produção. Os dados sobre atividade industrial e vendas do comércio, que vêm sendo divulgados, estão influenciados pela comparação do período pós-recuperação da queda do nível de atividade com os meses de recessão econômica mais intensa que ocorreram em 2003. Por isso, os números mostram um crescimento expressivo que fazem os membros do governo, inclusive o presidente Lula, explodirem de alegria e orgulho.
Já, quando olhamos para o período que vai de dezembro do ano passado até abril de 2004, fica claro que entramos em uma fase de estabilidade na atividade industrial. O crescimento, que vem sendo mostrado pelas estatísticas mensais, já ocorreu e não está se repetindo nesta primeira metade de 2004. O que temos agora é uma estabilidade da produção em nível 3,5% superior à média de 2003 e 3,3% à média de 2002. O crescimento da indústria, na primeira metade do governo Lula, foi de apenas 1,6% ao ano. Nada a comemorar! E, quando olhamos à frente, principalmente o que está acontecendo com os juros de um ano, o quadro não permite muito otimismo.
Para aqueles que andam deslumbrados com os efeitos sobre o cidadão comum do crescimento asiático que estamos tendo, sugiro, como leitura adicional, o relatório sobre o emprego na indústria até abril deste ano, publicado ontem pelo IBGE.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Finanças: Conta-investimento fica para outubro
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.