|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Edemar é acusado de desviar verba para arte
Procuradoria afirma que ex-banqueiro usou dinheiro de clientes para bancar exposições como a de Picasso; advogado nega
Esquema, diz Ministério Público, incluía repasse de fora à Maremar, que fazia
empréstimos à Brasil 500 Anos e à BrasilConnects
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
A BrasilConnects e a Associação Brasil 500 Anos, empresas de Edemar Cid Ferreira que realizaram exposições célebres
como as de Picasso e dos guerreiros chineses, receberam recursos desviados do Banco Santos, segundo o Ministério Público Federal.
Uma das empresas usadas
para repassar recursos para as
exposições, a Maremar, emprestou R$ 166 milhões à BrasilConnects e a Associação Brasil 500 Anos entre 1999 e 2004,
de acordo com a procuradoria.
Os empréstimos nunca foram
quitados pelas duas empresas.
As acusações do procurador
Silvio Luís Martins de Oliveira
sobre a BrasilConnects foram
aceitas pela Justiça Federal e
agora fazem parte de uma ação
penal em que são rés a mulher
de Edemar, Márcia Cid Ferreira, e a irmã do ex-banqueiro,
Edna Ferreira de Souza e Silva,
entre outros. Edemar está preso há 23 dias, sob a acusação de
ocultar o destino de obras de
arte que tem na Europa e de
tentar obstruir a Justiça.
Mundo novo
A BrasilConnects foi criada
em 1999 e parecia ter inaugurado uma nova era no mercado de
exposições no país. As montagens eram espetaculares, a organização, primorosa, os curadores e cenógrafos ganhavam
como se vivessem em Nova
York e havia uma preocupação
com estudantes rara no Brasil.
No exterior, o susto que a
BrasilConnects provocou não
foi menor. A empresa organizou exposições em alguns dos
maiores museus do mundo
-do Guggenheim de Nova
York ao British Museum de
Londres e ao Jeu de Paume parisiense.
A BrasilConnects captou R$
34,1 milhões por meio da Lei
Rouanet, segundo o Ministério
da Cultura. Como o dinheiro
captado junto a patrocinadores
nunca cobria os custos das exposições, a dúvida era: como
Edemar conseguia bancar mostras tão grandiosas com um
banco tão modesto?
A lavagem
O levantamento do Ministério Público Federal sobre as
movimentações internacionais
de recursos de Edemar dá algumas pistas sobre o paradoxo da
BrasilConnects. O dinheiro das
exposições era desviado do
Banco Santos, segundo o procurador Martins de Oliveira.
O caso mais notório de recebimento de recursos do exterior talvez seja o da Maremar,
na interpretação do procurador. A empresa foi fundada em
1991 por Edemar e sua mãe,
Marina Cid Ferreira. Quatro
anos depois, uma empresa
"offshore" chamada Valence
entra no quadro societário da
Maremar e passa a controlar a
empresa. Em 1998, a mulher de
Edemar, Márcia Cid Ferreira,
entra como sócia minoritária
na empresa, mas o controle fica
com a Valence. Em 2003, outra
"offshore", a Principle, toma o
lugar da Valence como controladora da Maremar.
A Maremar nunca produziu
um saco de pipoca, não tinha
bens, mas seu capital aumentou de R$ 1,7 milhão em 1995
para R$ 607,6 milhões em
2004, salto de 35.600%, segundo dados reunidos pelo procurador. A ascensão espetacular
do capital da Maremar foi revelada pela Folha em 26 de novembro de 2004, duas semanas
após o Banco Central intervir
no Banco Santos.
A Maremar teve esse aumento espetacular de capital porque recebeu recursos de fora
do Brasil -os aportes externos
somam US$ 306.410.243,21,
segundo relatório do BC anexado à denúncia pelo Ministério
Público Federal.
Outras três empresas criadas
por Edemar, a Atalanta, a Cid
Collection e a Rutherford, receberam de fora, respectivamente, US$ 51,7 milhões, US$
2,6 milhões e US$ 170,4 milhões, segundo informações do
BC. A Atalanta foi criada para
administrar a construção da
casa do banqueiro, e a Cid Collection, como o próprio nome
indica, cuidava da coleção de
arte. Os recursos externos que
vieram a essas quatro empresas somam US$ 531,2 milhões
(o equivalente a R$ 1,19 bilhão).
Esse montante foi subtraído
do banco, afirma o procurador
na denúncia: "Estamos diante
de uma antiga e bem conhecida
estratégia destinada a conferir
aparência de legitimidade a capitais de origem criminosa.
Nessa estratégia, empresas nacionais recebem investimentos
de seus sócios estrangeiros
que, na verdade, são os próprios sócios nacionais protegido pelo anonimato garantido a
empresas "offshore" sediadas
em paraísos fiscais".
Obras de arte também foram
compradas com recursos dos
correntistas do Banco Santos,
diz o procurador Silvio Luís
Martins de Oliveira.
Nesse caso, o esquema era
mais simples -os recursos que
Edemar Cid Ferreira captava
dos clientes para aplicar no exterior eram usados para pagar a
Sotheby's ou a Christie's, as casas de leilões em que ele era um
dos maiores clientes.
Edemar captava recursos da
clientela do Banco Santos para
aplicar no Bank of Europe, um
banco que ele tinha em Antígua, ou na "offshore" Alsace-Lorraine. A partir da contabilidade da Alsace-Lorraine, o Ministério Público descobriu que
investimentos dos clientes viraram obras de arte. O pagamento de quatro obras caras constam dos gastos da Alsace.
Texto Anterior: Luís Nassif: A mídia e o fator Lula Próximo Texto: Outro lado: Advogado nega desvio de recurso Índice
|