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São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Reforma da Previdência: minha opinião

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Chegou o momento de expressar ao leitor desta coluna minha opinião sobre a reforma da Previdência. O debate sobre essa questão voltou depois que o governo Lula deu sinais de que admitia negociar alguns pontos de seu projeto original. Os mercados não gostaram desse movimento e só se acalmaram depois que os analistas que mais os influenciam saíram a campo gritando "senta que o leão é manso". O posterior recuo do recuo do governo, como chamou a imprensa desinformada sobre os novos rumos do equilíbrio político no governo Lula, ajudou a acalmar os nervos de todos. Mas ficou um certo mal-estar no ar, com a sensação de que as mudanças não serão tão duras como o governo havia prometido.
A sociedade brasileira tem hoje a percepção clara de que o desequilíbrio da previdência pública é um problema a ser enfrentado com coragem e determinação, se quisermos estabilizar nossa situação fiscal e manter a estabilidade de preços tão arduamente conquistada. Isso já é um avanço extraordinário em um país no qual os líderes políticos há muito vem agindo como se esse problema não existisse.
Tudo começou no regime militar, quando a participação dos aposentados nos quadros dos funcionários públicos era inferior a 30% do total. Os ministros da área econômica de nossos generais presidentes não se preocuparam em definir regras de contribuição dos funcionários públicos que equilibrassem o sistema de previdência. Alguns deles, como o neopetista deputado Delfim Netto, até usaram o superávit do INSS da época para engordar o caixa do governo a que serviam.
A Constituinte que escreveu nossa nova Carta Magna em 1988 fez crescer ainda mais essa verdadeira bomba financeira. Aumentou os benefícios dos funcionários públicos, não cuidou das regras de contribuição e, com uma legislação pouco cuidadosa, criou as condições para que pessoas de má-fé usassem mecanismos legais mas contrários ao espírito de um verdadeiro sistema de previdência pública para aumentar seus benefícios. "Last but not least", incorporou ao sistema de previdência pública centenas de milhares de funcionários públicos, nos três níveis de governo, que estavam vinculados ao INSS.
Vivíamos um período de verdadeiro deslumbre com os direitos para todos, sem, entretanto, a preocupação de definir a origem de recursos para financiá-los adequadamente. A festa foi animada, e o custo social que as novas gerações assumiram explodiu alguns anos depois. O tempo passou rápido e o momento do ajuste de contas chegou!
No governo Fernando Henrique Cardoso, com a estabilização da inflação e a busca da tão necessária responsabilidade fiscal, não foi mais possível esconder os desequilíbrios do sistema de previdência pública. Os funcionários públicos aposentados já representavam quase 50% do total, e o peso financeiro de seus benefícios imobilizava os Orçamentos do governo federal, dos Estados e dos municípios.
Não tivemos outra alternativa senão encarar o momento, evitado por tanto tempo, de reformar a Previdência. Foi uma luta difícil, principalmente pela oposição radical do PT e sua defesa sem limites da preservação dos direitos dos "companheiros trabalhadores" nos serviços públicos. Mesmo assim, nos últimos anos, andamos alguns passos na direção correta. Vivemos hoje uma segunda etapa nessa verdadeira batalha pelo nosso futuro. Temos agora a vantagem de ter a liderança PT no lado do bom senso e da responsabilidade.
Mas o partido de Lula, ao se juntar àqueles que procuram apenas estigmatizar os funcionários do Estado como um bando de sanguessugas dos recursos públicos, perde uma excelente oportunidade de liderar uma verdadeira reforma do serviço público no Brasil. Os exageros da defesa incondicional das aposentadorias do passado foram substituídos por um discurso contra os privilégios e a favor da equidade absoluta entre trabalhadores do setor privado e do setor público. Pura demagogia! Foi o próprio presidente Lula que oficializou essa verdadeira caça às bruxas ao comparar a aposentadoria dos juízes com a das companheiras cortadoras de cana. Passamos com isso de um extremo ao outro!
Nesse quadro, os defensores de uma reforma da Previdência que trate apenas da questão fiscal e deixe de lado a questão da preservação de uma carreira pública decente e eficiente ganharam força e criaram expectativas que hoje se mostram irrealistas. O recuo nos últimos dias da semana passada apenas mostra que as forças sociais e políticas ainda estão vivas, apesar da imagem quase divina de nosso presidente e do autoritarismo de seu ministro José Dirceu. Voltarei ao tema na próxima semana.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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