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São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 2003

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LUÍS NASSIF

O irracionalismo científico

Há um quê de herança ibérica no medo que este país tem do óbvio, do claro, do didático, do cartesiano. Tome-se a questão do câmbio. Monta-se o modelo e se comprova didaticamente que essa valorização do real vai produzir uma nova crise cambial daqui a algum tempo. A única maneira de refutar o modelo seria comprovando que, com o câmbio voltando aos níveis pré-crise, o superávit comercial se manteria nos níveis atuais ou cairia pouco. Senão, a conta externa não fecha sem capital volátil e aí haverá enorme possibilidade de nova explosão do câmbio.
O não-especialista olha o modelo e pensa: é muito simples para estar certo, não pode ser que algo tão óbvio passe desapercebido do pessoal do Banco Central e da Fazenda.
Aí vem o economista fast food e despeja afirmações risíveis, tipo: "Se Simonsen fosse vivo hoje em dia, jamais repetiria a máxima de que "inflação aleija, mas balanço de pagamentos mata", porque com o câmbio flexível não existe mais problema externo".
O país nem saiu ainda da crise externa do ano passado, os juros estão em níveis absurdos, a economia despenca em uma crise fantástica por conta da crise externa, nem se recompuseram as reservas cambiais, nem se conseguiu abrir mão da ajuda do FMI, mas o slogan cola por não estabelecer relações lógicas de causa e efeito. Não estabelecendo, entra-se no terreno mágico, fica "científico", porque estabelece uma relação a que o não-iniciado não consegue captar. Nem lhe passa pela cabeça que o sujeito não estabelece a relação porque ela não existe -e que nem psicografado Simonsen ousaria dizer tamanha asneira.
Por que, mesmo depois da explosão cambial de 1999, o Brasil não escapou da maldição da vulnerabilidade externa? Porque desvalorizar o câmbio traz um custo político enorme. Por isso o BC limitou-se a administrar uma taxa de câmbio mais desvalorizada do que no primeiro governo FHC, embora insuficiente para equilibrar as contas, ainda mais depois que houve o estouro da bolha da Nasdaq e o atentado ao WTC.
A economia ingressou em 2002 submetida a essa vulnerabilidade, e o dólar explodiu. Deus provou ser brasileiro e jogou no colo do governo Lula uma ampla desvalorização cambial, cujo custo político foi bancado por FHC, mas cujos frutos seriam colhidos por ele, Lula, na forma de um enorme superávit comercial que praticamente eliminava a vulnerabilidade externa.
Havia custos adicionais a pagar. Um deles era a inflação, mas essa conta está sendo paga de qualquer modo. Aliás, muitos analistas apostavam que, com a queda de renda provocada pela própria inflação e sem mecanismos de indexação, era questão de paciência para aguardar a entrada da safra e a inflação refluir. O BC entrou em pânico e exagerou na dose.
A queda da inflação não foi proporcional à queda do dólar -nem costuma ser. Mais à frente, o câmbio terá que ser novamente desvalorizado. Só que, aí, a conta política será paga pelo governo Lula. Haverá novo surto inflacionário, exigindo nova alta dos juros. E o país terá perdido mais um mandato sem conseguir sair do lugar.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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