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LUÍS NASSIF
O irracionalismo científico
Há um quê de herança ibérica no medo que este
país tem do óbvio, do claro, do
didático, do cartesiano. Tome-se a questão do câmbio. Monta-se o modelo e se comprova didaticamente que essa valorização do real vai produzir uma
nova crise cambial daqui a algum tempo. A única maneira
de refutar o modelo seria comprovando que, com o câmbio
voltando aos níveis pré-crise, o
superávit comercial se manteria nos níveis atuais ou cairia
pouco. Senão, a conta externa
não fecha sem capital volátil e
aí haverá enorme possibilidade
de nova explosão do câmbio.
O não-especialista olha o
modelo e pensa: é muito simples para estar certo, não pode
ser que algo tão óbvio passe desapercebido do pessoal do Banco Central e da Fazenda.
Aí vem o economista fast
food e despeja afirmações risíveis, tipo: "Se Simonsen fosse
vivo hoje em dia, jamais repetiria a máxima de que "inflação
aleija, mas balanço de pagamentos mata", porque com o
câmbio flexível não existe mais
problema externo".
O país nem saiu ainda da crise externa do ano passado, os
juros estão em níveis absurdos,
a economia despenca em uma
crise fantástica por conta da
crise externa, nem se recompuseram as reservas cambiais,
nem se conseguiu abrir mão da
ajuda do FMI, mas o slogan cola por não estabelecer relações
lógicas de causa e efeito. Não
estabelecendo, entra-se no terreno mágico, fica "científico",
porque estabelece uma relação
a que o não-iniciado não consegue captar. Nem lhe passa
pela cabeça que o sujeito não
estabelece a relação porque ela
não existe -e que nem psicografado Simonsen ousaria dizer tamanha asneira.
Por que, mesmo depois da explosão cambial de 1999, o Brasil não escapou da maldição da
vulnerabilidade externa? Porque desvalorizar o câmbio traz
um custo político enorme. Por
isso o BC limitou-se a administrar uma taxa de câmbio mais
desvalorizada do que no primeiro governo FHC, embora
insuficiente para equilibrar as
contas, ainda mais depois que
houve o estouro da bolha da
Nasdaq e o atentado ao WTC.
A economia ingressou em
2002 submetida a essa vulnerabilidade, e o dólar explodiu.
Deus provou ser brasileiro e jogou no colo do governo Lula
uma ampla desvalorização
cambial, cujo custo político foi
bancado por FHC, mas cujos
frutos seriam colhidos por ele,
Lula, na forma de um enorme
superávit comercial que praticamente eliminava a vulnerabilidade externa.
Havia custos adicionais a pagar. Um deles era a inflação,
mas essa conta está sendo paga
de qualquer modo. Aliás, muitos analistas apostavam que,
com a queda de renda provocada pela própria inflação e
sem mecanismos de indexação,
era questão de paciência para
aguardar a entrada da safra e
a inflação refluir. O BC entrou
em pânico e exagerou na dose.
A queda da inflação não foi
proporcional à queda do dólar
-nem costuma ser. Mais à
frente, o câmbio terá que ser
novamente desvalorizado. Só
que, aí, a conta política será
paga pelo governo Lula. Haverá novo surto inflacionário,
exigindo nova alta dos juros. E
o país terá perdido mais um
mandato sem conseguir sair do
lugar.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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