São Paulo, quarta-feira, 18 de julho de 2007

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PAULO RABELLO DE CASTRO

"Que te vaya bien!"


O sentido informativo da vaia é a denúncia daquilo que ainda está incompleto na vida econômica de cada um


ALÉM DO seu evidente significado político, será que a vaia contém uma opinião econômica ou, quem sabe, seja capaz de criar valor? Vários economistas, da escola inaugurada por Gary Becker, ao final dos anos 60, em Chicago, têm se dedicado a entender a mensagem econômica, ou o "sinal dos preços", por trás de eventos ou fatos aparentemente corriqueiros. Para os pesquisadores dessa escola de pensamento econômico, as situações do dia-a-dia produzem constantes reações do sujeito em relação ao seu meio, cujo conteúdo de racionalidade econômica estaria escondido por trás da emoção do ato.
O "eu coletivo" que se manifestou diversas vezes no Maracanã, durante a fantástica cerimônia de abertura dos Jogos Pan-Americanos de 2007 -momento para ser lembrado pela grandeza do espetáculo-, trouxe também a pergunta: existiria um recado econômico por trás das vaias? A mim elas surpreenderam profundamente, razão pela qual aquela manifestação popular merece, no mínimo, uma bem-humorada reflexão econômica.
O fato de a vaia haver sido pontual fez aumentar a importância dos votos e dos vetos nela contidos. Brotando da garganta de um povo amargurado e pisoteado como o carioca, porém capaz, por outro lado, de manter a alegria e a presença de espírito, como foi o caso da resposta de 90 mil vozes ao dizer "ooooi!" ao "Hoy" -primeira palavra do discurso do mexicano presidente da Odepa-, dá peso e relevância às reações do público, tanto as de aplauso quanto as de apupo.
Considere, por exemplo, como seria se, em vez de delegações de países (algumas foram também vaiadas), produzíssemos um desfile, para aquele mesmo público, de blocos representando o "sistema tributário nacional", a "Previdência Social", a "saúde pública" ou a "educação nacional"... Seria vaia histórica ou, pior, revolta popular, com direito a invasão de campo e agressão física! Imaginemos, então, a hipótese de uma CPMF desfilando com a placa "Prorroguem-me, por favor!" ou um bloco do Congresso Nacional pedindo a avaliação pública dos seus mandatos!
A pedagogia da vaia, embora dura, é muito mais valiosa do que o carinho do aplauso. Quem foi aplaudido, como o inspirado Carlos Nuzman, presidente do nosso Comitê Olímpico, ou a extraordinária Elza Soares, provavelmente já depositou seu aplauso num escaninho das boas lembranças. Mas, para quem foi vaiado, como todos já o fomos um dia (embora não por um Maracanã lotado!), a vaia é um recado ciclópico, perturbador, que volta a cada minuto como uma sirene da consciência, uma espécie de relógio despertador do autodesconfiômetro, normalmente desligado em quem quer que exerça o poder ouvindo apenas a própria voz. Portanto a vaia baixa o valor da presunção e eleva o da razão. A vaia cria valor.
O recado pareceu bastante claro: para a minguante classe média brasileira, que ocupava as arquibancadas do teatro do povo naquela noite, dos governantes se espera bem mais do que seguidas declarações de boa intenção, anúncios consecutivos de obras no papel ou a invocação de agruras do passado como consolo para as insuficiências e equívocos do presente.
O sentido informativo da vaia é, afinal, a denúncia daquilo que ainda está incompleto na vida econômica de cada um, é o troco negativo de uma conta a pagar mal somada. Plagiando o castelhano-carioquês do povo no Maracanã, sempre é oportuno "que tu vaias bem"!


PAULO RABELLO DE CASTRO , 58, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

rabellodecastro@uol.com.br


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