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OMC apresenta números para "pegar ou largar" na Rodada Doha
Propostas se referem a corte de subsídios nos EUA, redução de tarifa de importação de agrícolas na UE e diminuição de taxa de bens industriais em países como Brasil
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Os presidentes dos comitês
negociadores em agricultura e
em bens industriais da Organização Mundial do Comércio
apresentaram ontem seus relatórios que, na prática, contêm
os números que representam o
"pegar ou largar" para os 151
países-membros da instituição,
mergulhados há seis anos em
tensas e infrutíferas discussões
na Rodada Doha de liberalização comercial.
O usual, na OMC, é que os relatórios dos presidentes de grupos sejam o fruto do consenso.
Mas, como não houve até agora
consenso, mas uma enorme divergência, os presidentes ousaram colocar números em seus
trabalhos, números considerados ambiciosos.
Os principais números referem-se ao que o comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, sempre chama de "triângulo" essencial da negociação: corte nos subsídios internos que os EUA concedem a
seus produtores agrícolas; redução nas tarifas de importação de bens agrícolas fixadas
pela União Européia; e um corte ambicioso nas tarifas de importação de bens industriais
por parte dos grandes países
em desenvolvimento, em especial o Brasil.
Se o triângulo é esse, os relatórios trazem de fato números
ambiciosos. Ou, mais exatamente, uma faixa de números,
já que a falta de consenso tornou impraticável cravar um só
número em cada item do triângulo (ver quadro).
Pela análise ouvida pela Folha no comando da OMC, "os
números doem um pouquinho
para todo mundo", o que fará
com que "todos fiquem ligeiramente descontentes". O que
não pode acontecer é que alguns países, especialmente os
mais ricos, fiquem muito descontentes.
A faixa de números no quesito subsídios domésticos tende,
no entanto, a deixar os Estados
Unidos bem descontentes.
Crawford Falconer, o presidente das negociações agrícolas,
sugere cortar tais subsídios para entre US$ 12,8 bilhões e US$
16 bilhões.
Nas negociações até agora,
Washington propunha oficialmente reduzir seus subsídios
para US$ 22 bilhões, mas insinuou a hipótese de aceitar um
corte para US$ 17 bilhões, sem,
no entanto, formalizar a sua
proposta.
Campanha eleitoral
Ver agora, no papel, a sugestão de um corte ainda maior será difícil de engolir, até porque
já está em curso, na prática, a
campanha eleitoral para 2008,
época em que nenhum país se
torna disponível para a abertura de seu mercado.
O G20, o grupo de países em
desenvolvimento comandado
por Brasil e Índia, pedia um
corte para os US$ 12,8 bilhões
que ficam na faixa mais ambiciosa apresentada por Falconer. Logo, esse ponto deve satisfazê-lo plenamente, o que
confirma a impressão inicial de
que o texto sobre agricultura
está muito centrado nas propostas do G20.
Para aumentar o desconforto
norte-americano, há o fato de
que a proposta de Falconer é
também ambiciosa nos cortes
em produtos específicos, entre
eles soja, arroz e algodão, de interesse direto do Brasil.
No caso do algodão, o corte
dos subsídios chega a 80%, o
que reduzirá o apoio aos produtores norte-americanos de cerca de US$ 3 bilhões para algo
em torno de US$ 450 milhões.
Para o Brasil, é sopa no mel,
porque o país recorreu à OMC
para derrubar os subsídios norte-americanos ao algodão, ganhou a causa, mas a decisão não
foi implementada pelos Estados Unidos.
Em contrapartida, na área
industrial, o relatório coloca sérios problemas políticos para o
governo brasileiro. O corte proposto oscilará entre 53% e 58%
das tarifas brasileiras consolidadas na OMC (sempre mais
altas do que as efetivamente
aplicadas).
Reduzirá a tarifa média para
algo em torno de 12%, quando
hoje é superior a 30%. A tarifa
máxima baixará de cerca de
35% para perto de 13%.
A indústria brasileira acha
muito, tanto que, ao recusar
proposta parecida, durante a
reunião do G4 em Potsdam, no
mês passado, o chanceler brasileiro, Celso Amorim, gritou:
"Não vou trair a indústria". Gritou também: "Não vou trair o
Mercosul", uma alusão ao fato
de que, mais que o Brasil, quem
rejeita esse nível de redução tarifária é a Argentina, parceira
no Mercosul.
Também a África do Sul tem
dificuldades com esses números e é integrante do G20 liderado pelo Brasil.
De todo modo, o comando da
OMC calcula que as faixas numéricas apresentadas são difíceis de alterar, sob pena de "desestabilizar" todo o conjunto
-e, por extensão, fazer fracassar definitivamente as negociações.
Como são documentos complexos e extensos, as delegações ainda os examinavam ontem. Na semana que vem, haverá reuniões tanto sobre agricultura como sobre bens industriais, mas a negociação propriamente dita em cima dos papéis de ontem só começa em setembro, após as férias de verão
da OMC.
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