São Paulo, quarta-feira, 18 de julho de 2007

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OMC apresenta números para "pegar ou largar" na Rodada Doha

Propostas se referem a corte de subsídios nos EUA, redução de tarifa de importação de agrícolas na UE e diminuição de taxa de bens industriais em países como Brasil

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Os presidentes dos comitês negociadores em agricultura e em bens industriais da Organização Mundial do Comércio apresentaram ontem seus relatórios que, na prática, contêm os números que representam o "pegar ou largar" para os 151 países-membros da instituição, mergulhados há seis anos em tensas e infrutíferas discussões na Rodada Doha de liberalização comercial.
O usual, na OMC, é que os relatórios dos presidentes de grupos sejam o fruto do consenso. Mas, como não houve até agora consenso, mas uma enorme divergência, os presidentes ousaram colocar números em seus trabalhos, números considerados ambiciosos.
Os principais números referem-se ao que o comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, sempre chama de "triângulo" essencial da negociação: corte nos subsídios internos que os EUA concedem a seus produtores agrícolas; redução nas tarifas de importação de bens agrícolas fixadas pela União Européia; e um corte ambicioso nas tarifas de importação de bens industriais por parte dos grandes países em desenvolvimento, em especial o Brasil.
Se o triângulo é esse, os relatórios trazem de fato números ambiciosos. Ou, mais exatamente, uma faixa de números, já que a falta de consenso tornou impraticável cravar um só número em cada item do triângulo (ver quadro).
Pela análise ouvida pela Folha no comando da OMC, "os números doem um pouquinho para todo mundo", o que fará com que "todos fiquem ligeiramente descontentes". O que não pode acontecer é que alguns países, especialmente os mais ricos, fiquem muito descontentes.
A faixa de números no quesito subsídios domésticos tende, no entanto, a deixar os Estados Unidos bem descontentes. Crawford Falconer, o presidente das negociações agrícolas, sugere cortar tais subsídios para entre US$ 12,8 bilhões e US$ 16 bilhões.
Nas negociações até agora, Washington propunha oficialmente reduzir seus subsídios para US$ 22 bilhões, mas insinuou a hipótese de aceitar um corte para US$ 17 bilhões, sem, no entanto, formalizar a sua proposta.

Campanha eleitoral
Ver agora, no papel, a sugestão de um corte ainda maior será difícil de engolir, até porque já está em curso, na prática, a campanha eleitoral para 2008, época em que nenhum país se torna disponível para a abertura de seu mercado.
O G20, o grupo de países em desenvolvimento comandado por Brasil e Índia, pedia um corte para os US$ 12,8 bilhões que ficam na faixa mais ambiciosa apresentada por Falconer. Logo, esse ponto deve satisfazê-lo plenamente, o que confirma a impressão inicial de que o texto sobre agricultura está muito centrado nas propostas do G20.
Para aumentar o desconforto norte-americano, há o fato de que a proposta de Falconer é também ambiciosa nos cortes em produtos específicos, entre eles soja, arroz e algodão, de interesse direto do Brasil.
No caso do algodão, o corte dos subsídios chega a 80%, o que reduzirá o apoio aos produtores norte-americanos de cerca de US$ 3 bilhões para algo em torno de US$ 450 milhões.
Para o Brasil, é sopa no mel, porque o país recorreu à OMC para derrubar os subsídios norte-americanos ao algodão, ganhou a causa, mas a decisão não foi implementada pelos Estados Unidos.
Em contrapartida, na área industrial, o relatório coloca sérios problemas políticos para o governo brasileiro. O corte proposto oscilará entre 53% e 58% das tarifas brasileiras consolidadas na OMC (sempre mais altas do que as efetivamente aplicadas).
Reduzirá a tarifa média para algo em torno de 12%, quando hoje é superior a 30%. A tarifa máxima baixará de cerca de 35% para perto de 13%.
A indústria brasileira acha muito, tanto que, ao recusar proposta parecida, durante a reunião do G4 em Potsdam, no mês passado, o chanceler brasileiro, Celso Amorim, gritou: "Não vou trair a indústria". Gritou também: "Não vou trair o Mercosul", uma alusão ao fato de que, mais que o Brasil, quem rejeita esse nível de redução tarifária é a Argentina, parceira no Mercosul.
Também a África do Sul tem dificuldades com esses números e é integrante do G20 liderado pelo Brasil.
De todo modo, o comando da OMC calcula que as faixas numéricas apresentadas são difíceis de alterar, sob pena de "desestabilizar" todo o conjunto -e, por extensão, fazer fracassar definitivamente as negociações.
Como são documentos complexos e extensos, as delegações ainda os examinavam ontem. Na semana que vem, haverá reuniões tanto sobre agricultura como sobre bens industriais, mas a negociação propriamente dita em cima dos papéis de ontem só começa em setembro, após as férias de verão da OMC.


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