São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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Saída é "não fazer nada", diz Arida

JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

"Ponha a culpa [pela crise] no Fernando Henrique." De forma anedótica, seria esse o conselho que Pérsio Arida daria ao presidente a ser eleito em outubro.
Avesso a entrevistas, o economista expôs uma análise do quadro brasileiro em encontro com pesquisadores e estudantes no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), sexta. Entre os fundadores da instituição, em 1969, estava o presidente Fernando Henrique Cardoso.
Ex-presidente do Banco Central e do BNDES, para muitos o verdadeiro pai do real, Arida argumenta que o "melhor a fazer nessa crise é não fazer nada". O "não fazer nada" significa, em suas próprias palavras, não elevar as taxas de juros ou no mínimo mantê-las em harmonia com as metas de inflação, não promover alterações no regime de câmbio (e rechaçar qualquer tentativa de bloqueio a saídas de dólares) e dar continuidade à política de superávits primários elevados -todos elementos presentes na atual gestão.
"Minha dúvida é se terá ele [o presidente eleito] lucidez para fugir da tradição brasileira de promover mudanças, grandes choques", disse Arida.
Durante a palestra, atribuiu a repulsa do mercado externo ao país a um "movimento de expectativas". "É uma bolha especulativa que temos condições de desarmar", disse. "Mas uma definição clara virá só a partir de outubro."
De acordo ele, foram duas as situações que o país teve de enfrentar nos últimos meses: primeiro a percepção de que a derrocada da Argentina teve consequências muito mais graves do que se avaliava. "A Argentina pôs fim às referências. Quem tinha qualquer comprometimento perdeu cinco, seis vezes mais do que esperava. Depois disso e dos escândalos contábeis nos EUA, todos cortaram crédito, os bancos comerciais, seguindo o conselho dos bancos centrais de seus países."
Outro ponto importante foi o aparente fracasso da estratégia do mercado de "satanizar" Lula. "Como o Serra não decolou, essa estratégia, em vez de melhorar o cenário, fez com que piorasse."
Em situação de crise de crédito, o governo teve de recorrer ao chamado "emprestador de última instância", o FMI. O problema, avaliou o economista, é que o Fundo ainda atua nos mesmos moldes em que foi concebido, nos anos 40. "Imagine se um banco estivesse em dificuldades e recorresse ao BC. Em vez de socorrer o banco em sigilo, para não provocar uma corrida, se o BC desse um pouco de dinheiro e informasse publicamente que daria o resto depois, a depender de seu critério, a corrida ao banco só aumentaria. É o que FMI faz", comparou.
Na avaliação do ex-presidente do BC, não teria serventia o governo promover um aumento da taxa de juros neste momento. "A subida do dólar nada tem a ver com os juros. Essa receita só funciona em regime de câmbio fixo.". Tampouco implantar controle de câmbio. "Se bloquear a saída, não vai ter entrada. Ninguém colocará dinheiro em país que fizer isso."
Arida considera que, mantida a premissa do regime de câmbio flutuante, o sistema vai se "auto-equilibrar". "Com a restrição de crédito, algumas empresas podem saldar compromissos, outras não. Mas não se pode dizer que o Brasil, de forma genérica, esteja insolvente", argumentou Arida.
O economista relativizou o problema da dívida pública (interna e externa), que representava, em junho, 58,6% do PIB. No caso da dívida interna, avaliou que a situação só seria insustentável se o tamanho da dívida exigisse um superávit fiscal de tal magnitude que se tornasse impossível de ser implantado, tamanho o repúdio que encontraria na população.
"A pergunta é: quando isso aconteceu? Só nas situações de reparação da Primeira Guerra. O único caso, exceto esse, é a Argentina, mas porque o câmbio fixo criou a situação. Não consigo imaginar que haja um problema de dívida interna nem no Brasil nem no México. É um fato que tem sido exagerado", disse.


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