São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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ANÁLISE

Filhos diletos, Malan e Armínio dão dor de cabeça ao FMI

Lula Marques - 8.ago.02/Folha Imagem
Armínio e Malan, durante entrevista sobre o acordo com FMI


ALAN BEATTIE
DO "FINANCIAL TIMES"

Quatro meses atrás, o ministro brasileiro da Fazenda, Pedro Malan, deu uma demonstração espantosa de confiança na saúde econômica de seu país quando quitou um empréstimo de US$ 4,2 bilhões, contraído com o FMI, antes do vencimento.
Agora, embora o status de bom aluno de Malan tenha ajudado o Brasil a conseguir um novo empréstimo do FMI, de US$ 30 bilhões, os mercados estão enviando seu país para o fundo da classe. Malan e o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, poderão ver sua sorte decair se, como parece provável, perderem seus cargos após as eleições de outubro.
Seria o fim de uma colaboração que conquistou uma virada notável, mas economistas observam que fraquezas podem minar o trabalho até dos melhores administradores. Seja como for, os efeitos da incerteza política deixam claro o perigo de os investidores (ou o FMI) depositarem confiança excessiva na capacidade de administradores individuais de mudar os rumos de um país. Wall Street e o Fundo gostam de tratar com Armínio e Malan.
Ambos se sentem à vontade no circuito financeiro internacional. Com doutorado em Princeton, Armínio já foi executivo da empresa de administração de fundos de George Soros. Malan trabalhou para a instituição irmã do FMI, o Banco Mundial. "Esses caras têm o respeito tanto dos mercados quanto do FMI", diz Frederick Jaspersen, diretor para a América Latina do Instituto de Finanças Internacionais. "Eles são bons, e o FMI sabe disso."
Mas isso pode virar um problema, na medida em que se questiona o tratamento dado pelo Fundo a seus "filhos diletos".
Quando, na década de 1990, o FMI se envolveu com uma série de países problemáticos -Rússia, México, Indonésia-, observadores notavam, com frequência, que sua direção tinha a tendência a apegar-se a um ou outro grupo de reformistas em cada país. Eles falavam a mesma linguagem da economia ortodoxa, moviam-se nos mesmos círculos, com frequência tinham se formado nos EUA e, de modo geral, eram vistos por Washington como sendo confiáveis.
No discurso de despedida que fez no ano passado ao deixar o FMI, Stanley Fischer, o antigo número dois do Fundo, rendeu homenagem a uma lista de tais luminares, e a lista incluía Pedro Malan. Ele destacou que o Fundo apóia políticas, não pessoas. Mas disse: "Com frequência fazemos nosso trabalho ao reforçar as pessoas que lutam, sob pressões enormes, para fazer a coisa certa".
Descrito como a teoria do "grande homem", esse estilo já causou problemas ao FMI, quando um filho dileto mostrou ser menos influente ou menos confiável do que se imaginava. Tanto o FMI quanto os investidores ficaram queimados, recentemente, pelas negociações conduzidas com o ex-ministro da Economia argentino Domingo Cavallo.
Saudado originalmente como o homem que refreou a hiperinflação na Argentina, Cavallo desfrutou de grande margem de manobra em 2001, quando introduziu medidas cada vez mais desesperadas -um reescalonamento da dívida que aumentou os custos dos empréstimos argentinos, uma tentativa de atrelar o peso ao euro e a manipulação de impostos para ajudar exportadores-, que não beneficiaram a economia, apenas adiaram o que já era inevitável.

"Culto à personalidade"
Miguel Diaz, diretor do programa de América Latina no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington, tirou lições da experiência. "Nenhum indivíduo é indispensável. Criou-se um culto à personalidade que não é saudável. Depois de Cavallo, esperava que Wall Street já tivesse aprendido a lição."
O FMI, pelo menos, demonstra alguma consciência, ao programar a maior parte do empréstimo para 2003 -um incentivo para que o vencedor da eleição siga a mesma linha de Malan e Armínio.
Mas nada muda o fato de que a enorme dívida do país o ameaça com uma moratória, seja quem for eleito. Morris Goldstein, especialista em dívida e crises financeiras no IIE (Institute for International Economics), diz que não se deve permitir que as realizações da equipe econômica atual ocultem as vulnerabilidades brasileiras. "Quando se tem uma dívida nessa proporção, a probabilidade de problemas é maior, mesmo que o comportamento recente tenha sido bom." Ele diz que o pacote de ajuda do FMI deveria haver incluído alguma estratégia de restruturação da dívida. Mas essa possibilidade foi rejeitada com firmeza por Malan e Fraga.
Seja lá o que o FMI pense reservadamente sobre a sustentabilidade da dívida, a instituição não vai tentar impor uma restruturação forçada aos administradores que conhece e em quem confia.


Tradução de Clara Allain

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