São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CONJUNTURA

Ajuste deve diminuir custos, mas, em muitos casos, trará demissões

Empresas fazem caixa para atravessar as turbulências

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de amargar mais de um ano de alta nos estoques e perda de caixa, as empresas brasileiras começam a tentar ajustar-se ao cenário econômico ruim. No último trimestre, os estoques continuaram subindo, mas a disponibilidade de caixa começou a crescer, segundo estudo preparado pela Economática.
O ajuste deve ajudar as empresas a diminuir custos e melhorar resultados, mas a contrapartida serão redução da produção e, em muitos casos, demissões.
No final de dezembro, um conjunto de 167 empresas cujos balanços foram analisados pela Economática tinha disponível em caixa, em valores ajustados pela inflação, o correspondente a R$ 31 bilhões. O volume caiu durante todos os trimestre até março deste ano, quando atingiu R$ 20,4 bilhões.
Uma pequena recuperação elevou a disponibilidade de caixa das empresas para R$ 21,7 bilhões em junho. O motivo? A percepção de que o ano não seria bom teria provocado uma reação das empresas que, a partir de março, começaram a reduzir a produção e preparar um colchão de liquidez para enfrentar as turbulências.

Estoques em alta
E os estoques realmente subiram. Se eles correspondiam a R$ 17,5 bilhões em dezembro de 2000, saltaram para quase R$ 23 bilhões em junho deste ano.
Com os juros em alta, o crédito cada vez mais escasso e a perda de renda dos trabalhadores -o rendimento médio caiu 4,6% nos cinco primeiros meses do ano-, as empresas prevêem meses piores no horizonte.
"Os estoques estão muito altos. Os pedidos do comércio estão fracos. Os empresários começaram a fazer ajustes e isso já está se refletindo na queda do nível de emprego", avalia Clarice Messer, diretora da Fiesp, que congrega as indústrias de São Paulo.
Na semana passada, a instituição divulgou o resultado da pesquisa de emprego do setor. Em julho, a indústria de transformação eliminou mais de 8.000 vagas, o que levou a uma queda de 0,52% no nível de emprego, o pior resultado desde agosto do ano passado e o pior para julho em cinco anos.
O estudo da Economática mostra que um dos setores que mais amargam alta dos estoques é o de metalurgia e siderurgia. As empresas do setor acumulavam estoques que somavam, no final de 2000, cerca de R$ 3,2 bilhões. Com o aumento, os estoques bateram em R$ 5,6 bilhões em junho.
Acumular estoques pode ser uma boa estratégia quando a intenção é aproveitar uma onda de alta no consumo. Mas os estoques têm aumentado há seis trimestres e a procura, com a renda e o crédito apertados, continua praticamente estagnada.
"Você pode ter uma ou outra história de empresários arrojados, que tiveram a sorte de formar estoques e desová-los num boom. Mas isso é história. Na prática, estoque é custo", diz Clarice.
Ela lembra que enquanto o dinheiro está empatado em produção encalhada, o empresário está perdendo oportunidades: ele poderia investir seus recursos no mercado financeiro. Ao mesmo tempo, as empresas têm altos custos para estocar produtos.
Mesmo em setores que trabalham com poucos estoques, como o de alimentos, os números mostram alta. No setor, os estoques das empresas analisadas pela Economática somavam R$ 1,9 bilhão em 2000 e chegaram a R$ 2,4 bilhões em junho deste ano.
Denis Ribeiro, coordenador do Departamento de Economia da Abia (associação das empresas do setor de alimentos), avalia, no entanto, que as altas de estoque não são problemas para o setor. "O setor não trabalha com estoques proporcionalmente significativos. Os produtos têm validade e, portanto, a capacidade de estocar é pequena", diz. O economista diz que o setor não terá um ano "maravilhoso", mas que também não será desastroso. "Projetamos crescimento de 1% para o segundo semestre em relação ao mesmo período do ano passado", explica.

Eletrônicos
O setor de eletroeletrônicos e material elétrico não tem problemas com altas de estoques de acordo com os balanços de algumas empresas do setor. Ainda assim, as estimativas são que as empresas trabalham com ociosidade de 66% -o nível histórico é de cerca de 85%- e que já tenham feito os ajustes necessários. No setor, o ajuste das empresas já custou cerca de 5.000 empregos somente neste ano.
A avaliação de Clarice é que as empresas tentarão cortar "gorduras" nos próximos meses. Mesmo no setor exportador, diz a diretora da Fiesp, as fortes oscilações do câmbio não têm ajudado.
"Algum tempo atrás, nós tínhamos desvalorização de 20%, 30% e chamávamos isso de maxidesvalorização. E havia uma preocupação grande com os efeitos das mudanças", diz.
Apenas em julho, o dólar subiu 23%. Neste mês, a moeda acumula queda de 9,94%. As oscilações, lembra Clarice, têm impacto sobre os preços dos insumos importados e sobre as dívidas em dólares das empresas nacionais.


Texto Anterior: Luís Nassif: Os quadrinhos da infância
Próximo Texto: Análise: Filhos diletos, Malan e Armínio dão dor de cabeça ao FMI
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.