São Paulo, quarta-feira, 18 de agosto de 2004

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ENERGIA

Ação do presidente do tribunal é vista como autoritária por colegas

Jobim cassa a decisão de colega do STF e abre crise

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em decisão inédita, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Nelson Jobim, cassou a liminar do ministro Carlos Ayres Britto que havia suspendido, anteontem, parte da Lei do Petróleo.
Com isso, ele deu uma contribuição importante para a realização da 6ª Rodada de Licitações de áreas de exploração de óleo e gás, de grande interesse do governo, mas abriu uma crise interna no STF, porque alguns colegas interpretaram, sem que seus nomes fossem identificados, a decisão como um gesto autoritário.
O governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), autor da ação que contesta a Lei do Petróleo, chamou a decisão de Jobim de "inusitada" e disse que, ao cassar a liminar do colega, ele instituiu uma espécie de "controle interno" no tribunal. Ele afirmou esperar que o plenário do STF, que ainda irá tomar uma decisão sobre o assunto, restabeleça a liminar e anule o leilão.
Apesar de ter sido indicado ao STF pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de quem foi ministro da Justiça, Jobim, que assumiu a presidência do tribunal em junho, tem bom relacionamento com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Controle interno
Um ministro do STF também falou, reservadamente, em controle interno. Outro disse que Jobim agiu como censor e que a atitude atingiu a respeitabilidade do Judiciário como instituição.
Carlos Britto concedeu a liminar na condição de relator da ação direta de inconstitucionalidade movida por Requião. A sua decisão também é polêmica, porque a lei prevê o julgamento pelos 11 ministros, em sessão plenária.
Britto, que é um dos quatro ministros indicados por Lula, disse que a urgência justificava o exame individual do pedido e citou exemplo de liminar concedida por Sepúlveda Pertence, de 2003 e ainda em vigor. Ele despachou anteontem à noite, lançando dúvidas sobre a eficácia do leilão. Quando ele ocorreu, ontem de manhã, a liminar já havia caído.
A ação foi movida em 9 de agosto. Desde então, só houve uma sessão plenária, na última quinta-feira. Naquele momento, Britto disse que ainda não tinha preparado o seu voto para submetê-lo aos outros ministros.
Já a decisão de Jobim foi criticada por colegas porque ele despachou um mandado de segurança movido pela AGU (Advocacia Geral da União). A regra é distribuir a outro colega esse tipo de processo, porque o presidente do tribunal não tem poder reconhecido pela lei para examiná-lo.
Logo após ser oficialmente informado da liminar de Britto, por volta das 20h de anteontem, o advogado-geral da União, Álvaro Augusto Ribeiro da Costa, avisou a Jobim que recorreria.
Às 7h30 de ontem, Costa foi ao apartamento de Jobim e lhe entregou a ação. Duas horas depois, o ministro deu a decisão. Naquele momento, o mandado de segurança estava sendo registrado no protocolo. Por isso, o despacho de Jobim não tem o número do processo, como é habitual.
Ao saber da cassação da liminar, Britto reuniu a sua assessoria. Ao final, declarou que "faria tudo de novo". Disse ainda que pretendia conversar com os colegas sobre o fato, durante o lanche que ocorre no intervalo da sessão. O imbróglio entre Britto e Jobim envolveu argumentos sobre o rito de dois tipos de processo, particularmente o poder do relator de decidir individualmente um pedido de liminar em ação direta de inconstitucionalidade e o poder do presidente do STF de cassar essa decisão em mandado de segurança.
Quando concedeu a liminar, Britto entendeu que a Lei do Petróleo viola dispositivos da Constituição. Por exemplo, dá poder à Agência Nacional do Petróleo para autorizar a exportação do óleo. Para o ministro, apenas a União, por meio do Ministério de Minas e Energia, tem essa competência.
Jobim não entrou nas razões jurídicas de Britto. Só contestou a urgência da decisão do colega, afirmando que a Lei do Petróleo está em vigor há sete anos.


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