São Paulo, terça-feira, 18 de setembro de 2007

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BENJAMIN STEINBRUCH

Recebidos com rojões


A passagem difícil por regiões densamente habitadas é um dos gargalos do transporte ferroviário


UMA DAS cenas mais deprimentes dos últimos tempos foi a que mostrou autoridades e jornalistas deitados no chão de vagão da MRS para se proteger de tiros da favela do Jacarezinho, no Rio.
No trem, estavam os ministros Márcio Fortes, das Cidades, e Pedro Brito, da Secretaria Especial dos Portos, além do secretário dos Transportes do Rio, Júlio Lopes. O próprio governador do Rio, Sérgio Cabral, escapou por pouco do susto, porque usou outro meio de transporte para ir à inauguração da primeira fase do projeto de revitalização do porto do Rio.
Muita divulgação foi dada ao incidente e com razão, porque expõe a flagrante situação de insegurança vivida nas grandes metrópoles. Infelizmente, até pelo destaque dado ao incidente, quase nada se falou sobre a importância da solenidade que levou dois ministros e um secretário a fazer a inusitada viagem de trem.
A linha da MRS no Rio não transporta passageiros. Aquelas pessoas estavam num vagão especial, que levava convidados à solenidade de inauguração de uma obra nada trivial, embora tenha custado apenas R$ 10 milhões. A faixa de domínio da MRS havia sido invadida por moradias no Parque Arará. Em alguns trechos, os trens passavam a apenas 30 cm das casas. Para resguardar a segurança dos moradores, as composições trafegavam em baixíssima velocidade, a 5 km/h. A desocupação dessa área foi feita por meio de parceria entre a MRS (operadora da ferrovia), os ministérios dos Transportes e das Cidades, a Companhia Docas e a Prefeitura do Rio. Na comunidade do Arará, perto do lugar do tiroteio, foram indenizadas e removidas 450 famílias e construiu-se um muro de 1.500 metros para separar as casas da linha. Como resultado desse projeto, os trens podem agora circular a 20 km/h. Só essa pequena melhoria permitirá elevar em cerca de 8% a capacidade de transporte de carga naquele trecho de acesso ao porto do Rio. Abriu-se espaço também para a implantação de uma linha paralela à que existe atualmente. Operação semelhante será feita no Jacarezinho, onde as moradias também disputam espaço com os trens. Com isso, a comunidade da região estará mais protegida, e a ferrovia, mais eficiente.
A passagem difícil por regiões densamente habitadas é um dos gargalos do transporte ferroviário. O mesmo problema é enfrentado em outras regiões, como a comunidade de Conceiçãozinha (Guarujá, SP), perto do porto de Santos, onde 500 famílias precisam ser removidas.
Tivemos boas notícias na semana passada. O crescimento da economia está sendo mantido: o PIB do país aumentou 5,4% no segundo trimestre ante o mesmo período de 2006. Não é um ritmo chinês, mas já abre nova perspectiva para a economia. A manutenção e a aceleração desse ritmo dependem da melhoria das condições de transporte da produção nas ferrovias e rodovias.
O setor ferroviário precisa de outras obras além dessas para elevar a velocidade dos trens. Já houve grande avanço: antes da privatização, a rede ferroviária transportava 17% das cargas do país. Hoje, dez anos depois, transporta 26%. Mas falta estímulo para investimentos na extensão da malha, que é hoje menor que em 1940, para atender a novas regiões produtoras de commodities.
Obras como a do porto do Rio, portanto, merecem comemorações. Os ministros Pedro Brito e Márcio Fortes, o secretário Júlio Lopes e o governador Sérgio Cabral dão um bom exemplo quando participam de momentos como esse. E não deveriam ser recebidos com tiros, mas com rojões.

BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
bvictoria@psi.com.br


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