São Paulo, sexta-feira, 18 de outubro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Com o limão façamos uma limonada

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A transição de poder no Brasil será feita sob o impacto de uma crise financeira, interna e externa, de grandes proporções. Não tenhamos ilusão sobre isso. Citarei dois fatos recentes, demonstrativos inequívocos dessa realidade: o governo está rolando a dívida mobiliária interna a taxa de juros superior a 50% ao ano mais correção cambial; a diretoria do Citibank, na apresentação que fez aos analistas de Wall Street sobre seus lucros no último trimestre, tomou mais de três minutos de seu tempo para realçar o fato de que tinha conseguido reduzir em vários bilhões de dólares seus empréstimos ao Brasil.
Já que a crise está entre nós, como um fato que marcará de forma importante os primeiros anos do próximo governo, não nos resta outra alternativa senão enfrentá-la com realismo e competência. O estado atual da economia real nos permite isso. Pretendo usar este meu espaço semanal para refletir sobre alguns dos pontos que me parecem fundamentais dessa agenda -ou, como chamei minha coluna de hoje, para fazer do limão da crise uma limonada de crescimento.
Para sistematizar meu raciocínio, vou dividir os passos de uma ação do governo em três blocos: no primeiro, coloco as decisões relativas à obtenção de um equilíbrio macroeconômico, que permita a redução das incertezas de hoje; no segundo, as ações necessárias para garantir nossa solvência durante o período -pelo menos de um ano- em que vamos estar fora do mercado internacional de capitais; finalmente, as ações sobre o lado real da economia que serão necessárias para aumentar nossa eficiência produtiva e, com isso, a capacidade do país de exportar.
Política macroeconômica Não acredito ser possível sairmos da crise atual sem uma política macroeconômica que trate de maneira eficiente as grandes questões associadas à crise financeira atual. Não há espaço para experiências exóticas. Seus principais pontos são: a geração de um superávit fiscal suficiente para estabilizar a relação dívida pública interna sobre o PIB e que compense internamente a queda da poupança externa -que vai ocorrer com a redução de nosso déficit em conta corrente; redução da volatilidade da taxa de câmbio; administração do nível da atividade econômica para a ocorrência de excedentes de produção para a exportação, sem que ocorra paralelamente uma pressão sobre a inflação.
Embora exista hoje capacidade ociosa na economia e excedentes no mercado de trabalho, é preciso monitorar o consumo interno e evitar tensões de preços que permitam um aumento da inflação por elevação das margens de lucro de determinados setores.
O governo eleito, para dar credibilidade à manutenção do superávit fiscal ao longo de seu mandato, terá de enfrentar de maneira institucional questões difíceis, como a reforma da Previdência Social. Além disso, terá de reafirmar o cronograma atual dos pagamentos da dívida dos Estados com o Tesouro Federal.
Ponte para financiar nossa balança de pagamentos: programa com o FMI Em 2003, o FMI e outros bancos multilaterais serão as únicas fontes de recursos em dólares para financiar nossa balança de pagamentos. Portanto é crucial para o Brasil manter -e se possível ampliar- o programa atual com o Fundo. Com um governo comprometido com o cumprimento de suas condicionalidades, certamente teremos uma redução da expatriação de capitais e menor pressão sobre as contas externas. O dinheiro do Fundo e o superávit comercial devem permitir que isso ocorra. Certamente teremos de aceitar um superávit fiscal maior do que os 3,88% previstos atualmente, em razão do aumento do custo de rolagem da dívida mobiliária interna. Esse aperto adicional sobre o Orçamento trará enormes dificuldades políticas para o novo presidente.
Agenda para a retomada do crescimento Paralelamente a essas medidas conjunturais de enfrentamento da questão financeira, o novo governo deverá iniciar um ciclo de reformas microeconômicas, no sentido de fortalecer nosso sistema produtivo. Para tanto, é preciso entender que a abertura comercial não é um fim em si mesmo -como pensa o malanismo-, mas sim um importante instrumento para aumentar nossa competitividade sistêmica. Ela também é um instrumento importante para evitar a ação de setores oligopolizados sobre a formação dos preços internos e para permitir um aumento em nossas exportações de manufaturados de maior valor agregado.
No topo dessa agenda desenvolvimentista está a questão da reforma tributária. Outros itens importantes são as medidas para uma maior eficiência alocativa do mercado de crédito interno, principalmente no financiamento às exportações, e o desenvolvimento de uma política industrial que permita o aumento da produção interna de setores que pesam na composição de nossas importações.
Essas medidas duras, se administradas com eficiência, devem permitir que, a partir de 2004, possamos sair do período de enormes dificuldades que a sociedade está vivendo.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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