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OPINIÃO ECONÔMICA
Leão "high-tech"
MARCOS CINTRA
A incorporação de inovações tecnológicas na sociedade moderna tem como objetivo final simplificar a vida das pessoas
e tornar a atividade produtiva
mais eficiente. Setores como a
agricultura e o automobilístico
são exemplos de segmentos que
investiram pesadamente em suas
bases produtivas e colheram aumento da produção e da produtividade. Isso sem falar no setor
bancário, que tem canalizado
grandes somas para investimento
em tecnologia de informação.
A velocidade das inovações e
sua aplicação no dia-a-dia pela
sociedade sintonizam as pessoas
a um admirável mundo "high-tech". Universidades, ONGs e entidades assistenciais ensinam informática aos carentes e aos idosos; estudantes agilizam pesquisas utilizando a internet; crianças
e adolescentes absorvem cada vez
mais conhecimentos; e consumidores gozam da praticidade de
canais como a internet e a tela do
celular para adquirir produtos e
realizar operações bancárias.
No setor público, o uso intensivo
da inovação tecnológica teve início na arrecadação tributária. A
utilização de meios eletrônicos se
intensifica de modo acelerado. A
entrega da declaração do Imposto
de Renda da pessoa física pela internet, por exemplo, cresceu de
35% em 1995 para 97% em 2004.
A fiscalização utiliza meios
avançados de auditoria fiscal,
que têm como base o cruzamento
de dados. Declarações como a
DCTF, a DIPJ, a Dimob, o lançamento em cartões de crédito e a
movimentação da CPMF são
exemplos de variáveis lançadas
em cruzamentos no sistema da
Receita Federal para detectar indícios de fraudes e de sonegação
de impostos.
O resultado do aperto no cerco
aos sonegadores e aos fraudadores gerou, em 2002, R$ 38,1 bilhões
em autuações num universo de
59,58 mil pessoas físicas e jurídicas fiscalizadas pela Receita. Em
2003, a fiscalização de 67,89 mil
empresas e pessoas físicas deu origem a R$ 50,7 bilhões em autos de
infração.
É positiva a atuação do fisco na
apuração do cumprimento da legislação tributária. No entanto,
em um ambiente no qual a legislação tributária se expande com
grande velocidade e no qual a burocracia e a carga tributária atingem níveis abusivos, não é difícil
imaginar o que essa pressão no
cumprimento da lei poderá gerar
para os contribuintes.
Permanecer em sintonia com as
frenéticas mutações da legislação
tributária é um enorme desafio
paras as empresas. A modernização nos processos de fiscalização e
controle do fisco vem causando
transtornos para quem necessita
de certidões e comprovação de regularidade fiscal para poder desenvolver suas atividades.
A constante exigência de obtenção de certidões negativas de débitos trava as atividades empresariais relacionadas a operações
de câmbio, obtenção de financiamentos e contratos com a administração pública. A dificuldade
se agrava com a presença de constantes erros de declaração, informações não-processadas e falhas
internas nos vários níveis da administração pública. Há casos em
que as empresas pagam tributos
já quitados para obter a certidão
negativa e não perder negócios.
O fisco e as empresas se modernizam, mas o sistema continua
estruturalmente arcaico. Os agentes produtivos buscam agilidade,
simplificação e eficiência, mas a
realidade do sistema tributário é
ultrapassada. Prevalecem o alto
custo dos impostos, a burocracia e
a complexidade no sistema. O resultado inevitável é o estímulo à
sonegação, o que implica enormes distorções competitivas.
Quem paga seus impostos pode
quebrar e quem sonega prospera.
Em suma, a atuação do fisco
brasileiro adere rapidamente à
onda "high-tech", mas isso ocorre
num sistema medieval. A dicotomia entre os meios modernos utilizados pelo fisco e a estrutura envelhecida de impostos jamais poderá atender aos objetivos de tornar a atividade produtiva mais
eficiente e simplificar o dia-a-dia
da sociedade.
Cumpre lembrar que a crescente sofisticação dos métodos de fiscalização do aparato fiscal público tem como resultado imediato a
aproximação entre a carga tributária teórica, estimada por vários
economistas em cerca de 60% do
PIB, e a carga tributária efetiva,
que se aproxima de 40% do PIB.
Em outras palavras, a prática da
evasão tributária torna-se cada
vez mais difícil e arriscada.
No passado, o setor público via-se forçado a aumentar o número
e as alíquotas dos tributos para
garantir o nível desejado de arrecadação. Gerou-se um círculo vicioso em que o contribuinte buscava minimizar sua carga tributária pela crescente evasão e o governo respondia aumentando a
carga de impostos exigida dos
contribuintes. Daí resultou uma
enorme defasagem entre a carga
tributária formal e a carga tributária efetiva. Essa margem de
evasão começa a se estreitar com
o uso da informática no sistema
de auditoria fiscal, dando causa a
um aumento vegetativo da carga
tributária que ameaça atingir níveis de provável asfixia econômica.
É, portanto, imperioso que o governo reduza o número de tributos e diminua as alíquotas praticadas, sob pena de inviabilizar o
setor produtivo nacional e limitar
severamente a formação de um
pujante mercado interno.
O Brasil possui particularidades
que poderiam ser exploradas visando adequar o sistema tributário ao mundo contemporâneo. A
elevada informatização dos bancos e a predominância da moeda
eletrônica convergem para a aplicação de um sistema de impostos
baseado na movimentação financeira. A automaticidade, a simplicidade e o baixo custo para o
poder público e para o contribuinte são efeitos dessa sistemática que o economista da Universidade de Wisconsin (EUA) Edgar
Feige chamou de "tributação do
século 21". Vale a pena conferir
em www.apttax.com.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 58, doutor pela Universidade
Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, foi deputado federal
(1999-2003). Atualmente é secretário
das Finanças de São Bernardo do Campo. É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
E-mail -
mcintra@marcoscintra.org
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