São Paulo, sábado, 18 de outubro de 2008

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Crise global altera tema do Fórum de Davos

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

Pela primeira vez em seus 38 anos, o Fórum Econômico Mundial se viu obrigado a mudar o tema de seu encontro anual, que se realiza todos os janeiros na cidadezinha suíça de Davos, encravada nos Alpes e que, na época, se transforma na maior concentração de personalidades do planeta. O tema original era insípido -Juntando os pontos: Catalisando soluções. Agora, será ambicioso: Moldando o Mundo Pós-Crise.
O encontro de 2009 reunirá 1590 pessoas, entre chefes de Estado/governo, ministros, altas autoridades, acadêmicos das grandes grifes universitárias e, principalmente, homens de negócio, que formam a grande clientela do fórum.
Em e-mail aos participantes, Klaus Schwab, o presidente do fórum, explicou: "A presente crise econômica global mudará substancialmente o panorama econômico, dos negócios e político do futuro. Companhias e governos estão sendo forçados a reverem seus pressupostos básicos e a repensarem estratégias à luz da transformação global que está ocorrendo".
Daí a mudança do tema, o que, no entanto, carrega um perigo: não há a mais leve certeza de que até 28 de janeiro, quando começa o encontro, o "mundo pós-crise" já terá emergido.
Ontem, ao contrário, ao menos a Europa afundava mais, a ponto de Ucrânia e Hungria terem sido obrigadas a recorrer ao FMI. É a primeira vez, nos 15 meses de crise, que países europeus recorrem ao Fundo.
"Muitos países parecem estar experimentando problemas por causa da repatriação de capital privado por investidores externos ou pela redução das linhas de crédito por parte de bancos estrangeiros", afirmou Dominique Strauss-Kahn, diretor-gerente do Fundo.
Em outras palavras, secou completamente o crédito. Secura, aliás, explicitada pelo Merrill Lynch, que afirma que o setor bancário europeu tem uma insuficiência de fundos próprios de entre 132 bilhões e 292 bilhões.
Some-se à falta de fundos uma profunda desconfiança, assim explicada pelo jornalista e novelista John Henry Lanchester na "London Review of Books": "Ninguém sabe quem tem qual dívida e, acima de tudo, ninguém sabe quanto valem esses papéis".
Se ninguém sabe, ninguém empresta para ninguém, o que ajuda a explicar porque a taxa em euros para empréstimos entre bancos continua caindo a conta-gotas apesar dos megapacotes de ajuda aos bancos. A média mensal de outubro estava ontem em 5,425%, ainda acima dos 5,384% de setembro, quando os pacotes nem estavam no horizonte.
Como o dinheiro não circula, as empresas vão ficando asfixiadas, a ponto de uma companhia aérea espanhola suspender suas operações, alegando sérias dificuldades financeiras.
Dificuldades comuns a pessoas físicas e jurídicas: ainda na Espanha, o atraso nos pagamentos de créditos concedidos por instituições financeiras subiu para 2,44%, a taxa mais alta desde maio de 1998. Em um ano, a inadimplência triplicou.
A indústria tampouco escapa do sufoco: na Espanha, os negócios industriais diminuíram 4,3% em agosto ante o mesmo período de 2007, a maior queda dos últimos cinco meses.
Nesse cenário, fica difícil explicar por que as Bolsas européias tiveram ontem avanços expressivos. Se a explicação para as últimas quedas, às vezes fortes, era o risco de recessão global, agora que ela dá sinais de que aterrissou na realidade, o razoável era esperar novos recuos. A menos que os investidores tenham achado que elas chegaram ao fundo do poço e resolveram sair às compras.
O movimento positivo nas Bolsas tirou-as das manchetes, mas, em contrapartida, colocou nelas a retração e a estiagem do crédito, as duas faces de um mesmo problema.
Por isso, o Fórum pode ter se precipitado ao imaginar que o mundo já estará no pós-crise quando seu encontro anual abrir as portas em janeiro.


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