São Paulo, terça-feira, 18 de novembro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Lula, G20 e café com leite


Países do G20 aceitam adotar mudanças para preservar a presente ordem. Mas quem era café com leite ainda o é

"SAIU A a regulação", disse Lula na saída da reunião do G20, talvez se referindo ao vago compromisso de "supervisão" sobre bancos inscrito na carta de intenções do G20, que se reuniu sábado, em Washington. Obviamente não "saiu regulação" alguma, nem Lula tem idéia do que seja o assunto.
Lula acha que houve "um consenso para cuidar melhor" das finanças mundiais. Não houve. Antes da reunião do G20 já havia era consenso a respeito de não interferir na soberania nacional. Logo, o consenso, prévio, era de não fazer nada sobre "as finanças do mundo". Houve apenas um empurrão no sentido de estabelecer "consultas" sobre loucuras financeiras, que detonaram a crise no mundo rico. De resto, reuniões como as do G20 são programadas para que todo mundo siga o script. Não houve nem era para haver novidade.
Lula acha que a reunião foi "histórica". "Não é mais o G8 que manda", disse ontem no rádio. Bem, em reuniões do G7/G8 os países em geral concordam em não tomar decisões e se mandam recados, sem grande efeito prático desde o final dos anos 80. Ou mostram os dentes quando contrariados. Para não ser café com leite nesses "Gs" é preciso ter dentes: dinheiro e/ou canhão nuclear.
Enfim, nem fóruns talhados para a tomada de decisões, como a Rodada Doha, da OMC, as tomam. Mesmo ali, onde a periferia tem mais força, se tomam decisões que afetem as políticas industriais e comerciais de EUA, União Européia e China.
O G20 não tratou de uma "nova arquitetura financeira mundial" (não existe nem uma velha). De mais relevante, todos concordaram em "cooperar" para adotar mudanças que preservem a presente ordem.
Reforçou-se a idéia de supervisão sobre bancos transnacionais. Trata-se de limitar a alavancagem dos bancos e reduzi-la em períodos de expansão de crédito, para que não estimular bolhas. Ou de obrigar bancos a explicar o papelório maluco que detêm. Mas quem será a polícia "supervisora"? A Alemanha não concordou em coisa similar nem na União Européia -o controle europeu que aceitam é o do BC Europeu, que é o BC alemão travestido. Intrigante é que, caso as medidas relativas a bancos fossem adotadas agora, a crise de crédito pioraria (em suma, pedem mais reservas nos bancos).
Querem ainda mexer nos derivativos. Algo já está sendo feito, mas longe da "jurisdição transnacional".
Não se trata mais do que levar parte do mercado (como o de derivativos de crédito) para ambientes regulados. Querem melhorar a contabilidade de ativos financeiros (e sobre isso há muita polêmica) e controlar o salário de banqueiros. Ok, mas isso não muda "arquitetura", no máximo redecora aquela sala desenxabida.
Concordou-se em "evitar o protecionismo". Isso já está na OMC e não é respeitado. Manifestou-se a intenção vaga de aumentar o crédito emergencial para países em colapso.
A conversa sobre mais coordenação macroeconômica em geral não foi além daquilo que já se dá na prática.
Talvez Doha seja retomada, mas não houve compromisso de abrir mão de posições que a emperram.
Sim, algo mudou. A reunião do G20 foi o reconhecimento diplomático de que há países fortes fora do "Norte Rico". Mas fica mais como um cartão-postal da história real.

vinit@uol.com.br


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