São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Carros zero, ainda abaixo de zero


Novo tombo da venda de carros sugere que oferta de crédito e ânimo de consumir ainda estão bem deprimidos

A VENDA de carros caiu 31% na primeira metade de dezembro, se o nível de negócios é comparado ao de dezembro de 2007. Os dados não incluem as vendas do final de semana do feirão do carro com imposto menor. Mas é provável que o corte do IPI apenas faça as vendas subirem um degrau, mas um degrau bem baixo na escada. O que o número diz de mais forte é que um mix de horrores continua a abater o ânimo de quem consome.
A mistura, em proporção ainda incerta, de juros elevados, financiamentos mais curtos, maior seletividade dos bancos e choque de confiança impede que as fábricas desovem estoques. A bruxa está solta desde a catástrofe de setembro.
Para piorar, não se viu efeito maior do pacote de crédito oferecido por bancos estatais, e o mercado de carros usados continua em baixa.
Carro usado é um estoque importante de poupança do consumidor de carros novos. Mas a queda do IPI ajudou a derrubar ainda mais o preço dos usados, segundo relatos da praça. Os bancos pequenos, que fazem rodar o mercado de usados, ainda estão a seco. O governo soltou ontem medidas para incrementar os fundos dos bancos menores, como havia adiantado esta Folha. No entanto, a liberação de recursos do Fundo Garantidor de Crédito tem prazo de validade. Se as condições gerais de crédito não melhorarem, o efeito da injeção de adrenalina passa. Tudo depende da atitude dos bancões (e claro, do desenrolar do desastre mundial).
O tombo horrível do mercado de carros novos não preocupa apenas pelo seu óbvio efeito na cadeia industrial associada. Perdem os setores de autopeças, plásticos, equipamentos elétricos, siderurgia. O setor de máquinas fica mais assustado. Porém, o restante da economia percebe o choque e também se retrai, por contágio, com exceção talvez dos negócios com bens de valor inferior e/ou não-duráveis.
A venda de carros poderia ser uma compensação para o frio que vem de fora, como o que encolhe o setor de commodities. Projetos grandes de investimento em recursos naturais não estão sendo cancelados, mas em alguns casos têm sido cortados pela metade. É o caso de siderurgia, mineração e biocombustíveis. A desvalorização tremenda do real elevou custos, em especial os de grandes empresas. Aquelas que investem em concessões (estradas, hidrelétricas, por exemplo), dizem ao menos da boca para fora que estão com dificuldade obter financiamento.
O nível de investimentos vinha muito bem, mas o novo parque industrial vem a ficar pronto num momento de queda aguda do crescimento. O nível de investimento é um dos indicadores mais voláteis do conjunto do PIB. Dados a parada brusca da economia, a seca do crédito e a alta do custo de investir, se restar algum desejo de fazê-lo, o investimento levará um tombo.
Mesmo que o Banco Central comece a cortar os juros em janeiro, e com rapidez, isso não será o bastante para animar as empresas. O contra-ataque ao desânimo depende mais e mais do investimento público, que anda como sempre lerdo e encalacrado. Dar um jeito nessa lentidão parece se tornar agora um atitude de emergência.

vinit@uol.com.br


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