|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Vamos cair no Real
BENJAMIN STEINBRUCH
De repente, mudou tudo. A pressão
do mercado, assinalada principalmente pela sangria diária em nossas
reservas, tornou-se insustentável e o
jeito foi derrubar a porteira e liberar
de vez o câmbio como ocorreu na
manhã desta última sexta-feira.
Os temporais da semana tinham
sido grandes. Houve troca de comando no Banco Central, anunciada simultaneamente com a tentativa de
limitar a queda da cotação do Real.
O Congresso, no meio do turbilhão,
casou com o governo e aprovou quatro medidas provisórias, em votações
consagradoras. Enquanto isso o mercado, aqui e lá fora, aumentava suas
pressões, estimulado pelos analistas
que, falando cada vez mais alto, duvidavam da nossa capacidade de enfrentar os tais ataques especulativos.
O jeito foi soltar as amarras. No
câmbio livre o dólar chegou a ser negociado a R$ 1,60, mas acabou o dia
na faixa de R$ 1,48, o que caracterizou uma desvalorização de aproximadamente 20% sobre os índices do
início da semana. As cores da hectacombe, da chegada final ao abismo e
até de um certo desespero, que enfeitavam a paisagem brasileira na noite de quinta-feira, foram subitamente trocadas por um novo arco-íris de
esperança, de confiança e quase de
euforia.
As Bolsas externas da Ásia e da Europa reagiram bem à liberdade cambial anunciada pelo Brasil. Aqui as
ações deram saltos positivos e a Bovespa fechou o dia com 33% de alta,
o segundo maior índice de sua história. Na Argentina (cuja economia é
muito afetada pelas realidades brasileiras), a elevação foi de mais de 10%.
E Nova York também subiu, inclusive elevando as cotações dos títulos
brasileiros da dívida externa.
É bom, no entanto, irmos com calma. É preciso em primeiro lugar, refletir sobre o Plano Real e lembrar
que ele não era e não é apenas uma
política cambial. O fato de a nossa
nova moeda ter nascido com o real
valendo mais que o dólar terá contribuído para o excesso de ênfase com
que alguns analistas brasileiros e internacionais consideravam o câmbio
como sinônimo de Plano Real.
Sem reduzir a importância do regime cambial vigente nos primeiros
quatro anos de sua implantação, esta é a hora de lembrar que o Plano
Real é uma grande mudança econômica, cuja maior conquista foi e é a
derrubada do processo inflacionário,
a estabilidade dos preços, a devolução ao brasileiro comum e às empresas de todos os tamanhos de sua condição de prever receitas e despesas e
de recuperar o sentido da palavra
"orçamento".
A abertura econômica, as privatizações e o estímulo à modernização
das empresas brasileiras foram inseridos no Plano Real como bases para
o aumento de eficiência da nossa
economia, que precisava e precisa
atingir níveis de competitividade para poder competir em mercados cada
vez mais globalizados. As reformas
modernizadoras destinadas a corrigir distorções de Constituição eram e
são objetivos básicos do Plano Real
que, com o apoio do Congresso, conseguiu inclusive acabar com monopólios e corrigir as aberrações do nosso sistema previdenciário.
Muito foi feito no Plano Real e
muito precisa ainda ser realizado
para que se concretize o seu objetivo
maior, que é social, muito mais do
que econômico e político. É que o
Brasil não pode mais adiar o resgate
de suas dívidas sociais, que só poderão ser eliminadas se os avanços
prosseguirem, se a reforma do Estado
retirar das costas do Tesouro responsabilidades que não lhe cabem e os
recursos oficiais puderem se concentrar na melhoria da educação, da
saúde, da habitação e da alimentação do povo brasileiro.
O que acabou no Plano Real foi a
âncora cambial, concebida em um
momento bem diverso da economia
mundial e que, nos primeiros anos,
se mostrou eficiente e oportuna, dando suporte às transformações positivas de nossa economia. Nos últimos
dois anos, com as crises que aplastaram a economia russa e cortaram as
garras dos tigres asiáticos, a âncora
cambial deixou de ser solução para
se transformar em problema, na medida em que a volatilidade dos capitais internacionais ameaçava o Brasil, procurando nos transformar em
"bola da vez". A política de defesa,
baseada na elevação de juros, poderia ter dado certo se o problema fosse
de curtíssimo prazo. Ao se constituírem em instrumentos permanentes,
os juros altos contribuíram para desorganizar a economia, enfraquecer
as empresas, desestimular investimentos, coibir o consumo. Até que
não deu mais.
Agora é aproveitar as lições da crise
e, principalmente, as reações positivas -dentro e fora do país-à liberação do câmbio. Vamos acelerar o
processo de redução de juros e estimular as empresas a voltar a investir.
Vamos tirar partido do dólar mais
caro para desestimular importações
desnecessárias e, de outro lado, promover o aumento de nossas exportações, gerando divisas, garantindo
empregos e criando novas oportunidades de trabalho. Vamos lutar por
todos os modos para evitar que a nova política abra espaços para um repique de índices inflacionários, impedindo que a carestia -de que falou o presidente Fernando Henrique- volte a maltratar o nosso povo.
Não vamos, no entanto, nos iludir.
O caminho será árduo e difícil. O
Brasil ficou mais pobre, mas estão de
pé conceitos mais simples que vão eliminar a desconfiança na moeda e no
país. Vamos estimular o turismo interno, que ficou mais competitivo pelo encarecimento das viagens internacionais. Vamos promover avanços
na agricultura e na indústria, engajando todos os brasileiros na "batalha da produção", que é a única saída para o desemprego e a redução de
oportunidades de trabalho.
Neste fim-de-semana o economista
Edmar Bacha, um dos criadores e
formuladores da política econômica
que deu origem à nova moeda, afirmou em entrevista que os fatos desta
sexta- feira podem ser "a base do
renascimento do Plano Real".
Esse caminho está em nossas
mãos. Para isso é preciso que lutemos para que a nova âncora do
Plano Real seja fiscal e política.
Que se baseie nos princípios que
impedem governos sérios de gastar
mais do que arrecadam. Que se
apóie em conceitos éticos que exigem que a ação política e a vida
pública sejam condicionadas, acima de tudo, pelo interesse público.
O Plano Real precisa, agora, ser
fortalecido. É necessário, pois, que
os governos estaduais e municipais, liderados pelo governo federal "caiam" no Real, acreditem nele, pratiquem seus princípios e persigam seus objetivos. Para que o
Brasil, afinal, caia na real.
Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing
financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é
presidente dos conselhos de administração da
Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|