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ARTIGO
O desastre do trem financeiro brasileiro
JEFFREY SACHS
Especial para a Folha
O histórico do FMI se conserva
perfeito: cinco grandes pacotes de
socorro desde meados de 1997, cinco grandes fracassos. O último trem
a descarrilar foi o do Brasil. Na semana passada a moeda brasileira
desabou e as Bolsas de Valores caíram vertiginosamente. O desastre
provavelmente vai prejudicar não
apenas o Brasil, mas boa parte da
América Latina.
Tudo isso poderia ter sido evitado.
Os três engenheiros que conduziam
a política econômica brasileira
-seu governo, o FMI e autoridades
dos EUA- foram descuidados. Enquanto o FMI, em particular, não for
convocado a assumir a responsabilidade por seus erros, todo o mundo
corre o risco de sofrer choques financeiros inesperados que prejudicam os padrões de vida dos países
em desenvolvimento e põem em xeque a estabilidade global.
Para falar em termos simples e diretos, o FMI tem dado atenção demais aos interesses de Wall Street. Se
você fosse, digamos, um banco norte-americano com investimentos no
Brasil, iria querer que o país mantivesse sua taxa de câmbio até receber
o retorno sobre o que investiu (depois disso, quem se importa?). Assim, você pressionaria o FMI e o Tesouro norte-americano para que
exortassem o Brasil, a Rússia ou
qualquer outro indefeso receptor de
empréstimo do FMI a defender sua
moeda. Isso lhe daria tempo para retirar seu dinheiro ainda ileso do
país, antes que fossem promovidas
quaisquer mudanças nos valores
das moedas.
Essas políticas desastrosas estão
sendo abandonadas, felizmente
-mas tarde demais e a um custo
demasiado alto. De fato, as Bolsas
brasileiras saltaram diante da notícia de que a moeda nacional, o real,
seria liberada para flutuar e que o
pesadelo de uma camisa-de-força
monetária seria excluído.
Mas a moeda brasileira está supervalorizada há anos, prejudicando os
exportadores brasileiros e contribuindo para manter seu crescimento em patamar baixo. Qual a razão
disso? Em 1994, o Brasil apresentou
hiperinflação e os preços estavam
subindo 2.000% ao ano. O então ministro da Fazenda (e agora presidente) Fernando Henrique Cardoso impôs uma nova moeda com valor estável em relação ao dólar norte-americano -aproximadamente
um real por um dólar. A inflação
caiu, mas levou algum tempo para
parar de vez. O Brasil começou a se
recuperar, mas os custos relativos da
produção continuaram a subir durante algum tempo.
No final de 1995 a inflação já havia
acabado, mas os exportadores enfrentavam dificuldades. Os custos
domésticos dobraram, enquanto os
preços recebidos pelas exportações
continuavam inalterados, já que cada US$ 1 exportado se traduzia em
aproximadamente R$ 1 em moeda
nacional.
Os mercados financeiros compreenderam o impacto de tudo isso
e já previam a ocorrência de uma
desvalorização. Para o Brasil defender sua moeda, era preciso manter
taxas de juro punitivamente altas no
país, para incentivar os investidores,
tanto estrangeiros quanto nacionais,
a correr o risco de conservar seu dinheiro no Brasil. Para os credores
estrangeiros, essas taxas altíssimas
não importavam (ou pelo menos foi
isso que pensaram). Se a defesa de
uma moeda dá certo por seis meses,
é só isso que precisam os bancos internacionais que concederam empréstimos de 90 dias. Eles vão conseguir se safar com seu dinheiro.
O governo brasileiro, o FMI e os
EUA não precisariam ter tomado esse caminho. Eles foram exortados a
permitir o enfraquecimento gradativo e leve do real, de acordo com as
forças do mercado, com vista a restaurar a rentabilidade das exportações. Em 1996, Fernando Henrique
Cardoso já era presidente, mas havia
se apaixonado pela taxa de câmbio
estável, embora pouco realista.
Quando a crise asiática explodiu, em
1997, o FMI e os EUA acreditaram,
como míopes, que a estabilidade
cambial ajudaria o mundo e o Brasil.
Encorajaram o presidente Cardoso
a defender o real supervalorizado
por meio de medidas rígidas.
E foi exatamente isso o que ele fez.
As taxas de juro foram elevadas para
50% ao ano, para incentivar os investidores ariscos a conservar seus
ativos no Brasil. Os investidores não
são cegos. Eles sabiam que a moeda
estava sobrevalorizada. Mas, a uma
taxa anual de retorno de 50%, apostaram nela, e chegaram até a esperar
(com razão) que o FMI daria muito
dinheiro ao Brasil para escorar sua
moeda, se fosse preciso.
Durante 1998, a economia brasileira lançou-se numa queda recessiva
trágica e previsível. As altas taxas de
juro fizeram o déficit orçamentário
subir aos céus, porque o governo
brasileiro tinha grandes dívidas de
curto prazo e o custo de seu financiamento era altíssimo. O déficit subiu de 4% do PNB, em 1997, para
7%, em 1998. Os investidores brasileiros e os bancos norte-americanos
começaram a tirar seu dinheiro do
país, forçando o Banco Central a
vender seus escassos dólares para
manter a sagrada estabilidade do
real.
Durante o ano de 1998, teria sido
preferível reduzir as taxas de juro e
permitir que o real alcançasse um
nível realista. Quando a Rússia declarou moratória, em agosto de
1998, e os investidores começaram a
fugir dos mercados emergentes, os
EUA e o FMI decidiram emprestar
ao Brasil a proverbial corda com a
qual o país iria se enforcar.
Em dezembro passado, diante dos
aplausos do "establishment" financeiro, o FMI disse ao Brasil: "Não se
preocupe com a queda de suas reservas em divisas, vamos lhe dar
mais US$ 41 bilhões em empréstimos de curto prazo para defender
sua moeda". Era insidioso. Os empréstimos do FMI são, na verdade,
usados para pagar os investidores
estrangeiros, ou por meio de um
mecanismo mais ou menos direto
(como, por exemplo, no caso da Coréia, em dezembro de 1997) ou indiretamente, quando o Banco Central
vende dólares no mercado externo
de divisas, para defender sua moeda. Agora os contribuintes brasileiros serão fortemente atingidos e os
gastos sociais e outros serão reduzidos, para permitir o pagamento dos
juros sobre os US$ 41 bilhões que o
FMI emprestou ao país.
Agora o Brasil abandonou a defesa
de sua moeda, mas só o fez depois de
colocar sua economia no caminho
de uma depressão e de acumular dívidas enormes, após um ano de juros astronômicos. Ao deixar sua
moeda flutuar, o Brasil ganhou um
pouco de tempo para reduzir as taxas de juro e evitar a depressão. Apesar disso, é possível que muitos investidores entrem em pânico, fugindo do Brasil e do restante da América Latina. Não há nada como um
fracasso altamente noticiado de
uma política econômica apoiada
por Washington para alimentar
uma fuga generalizada da região,
provocando falências de bancos,
contração econômica e sofrimento
generalizado, tudo isso em cascata.
É preciso acabar com a estratégia
FMI/EUA de instruir os países a defender suas taxas de câmbio por
meio de juros altos apoiados por
empréstimos de socorro do FMI, e
indicar o caminho da porta de saída
ao diretor-gerente do FMI, Michel
Camdessus. O Brasil já aprendeu a
lição -mas pela via difícil. Outros
países em desenvolvimento deveriam adotar taxas de câmbio flexíveis e juros moderados e fugir de
empréstimos de socorro do FMI como o diabo da cruz.
Será preciso que, em toda a América Latina, os grandes bancos internacionais e os governos nacionais
negociem um caminho responsável
para avançar, um caminho no qual
os governos se comportem de maneira sensata e realista, enquanto os
grandes bancos reconheçam o interesse coletivo que têm em evitar as
retiradas de capital movidas pelo
pânico. Se os banqueiros entrarem
em pânico e retirarem seus empréstimos, vão infligir prejuízos enormes a si mesmos e também às economias latino-americanas.
Jeffrey Sachs é diretor do Instituto Harvard de
Desenvolvimento Internacional e professor da
cadeira Gallen Stone de comércio internacional
na Universidade Harvard. Já atuou como principal assessor econômico estrangeiro dos governos da Rússia, Polônia e Bolívia.
Tradução de Clara Allain
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