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OPINIÃO ECONÔMICA
Crise na aviação: fusão e confusão
PAULO RABELLO DE CASTRO
Sempre que um segmento da
atividade econômica é considerado vital ou a ele se pode chamar de estratégico ou de "importante para o país", o consumidor
corre o risco de pagar uma conta
pelo que o empresário deixou de
fazer e pelo atraso do governo em
averiguar e agir acima de pressões políticas. Tem sido assim, sistematicamente, naqueles ramos
que dependem de alguma concessão pública ou permissão, como
na distribuição de energia elétrica, telefonia, água e esgoto.
A aviação civil não fugiu à regra e enveredou também pelo tortuoso caminho da crise. Nos últimos anos, de quatro companhias
de âmbito nacional, uma nova
surgiu no espaço da outra que
submergia, enquanto as três demais, inclusive a líder do setor,
apresentavam distintos tipos de
problemas, desde fortes prejuízos
em balanço, passivos trabalhistas
e previdenciários até questões de
segurança de equipamentos em
vôo.
Uma vez instalada a noção de
"crise no setor", tudo parece conduzir ao seu inevitável agravamento, a que assiste o desarmado
cidadão -sabendo que, ao final,
pagará mais, duas vezes, como
consumidor e como contribuinte.
Da crise surge a confusão de
idéias, de diagnósticos, sempre
propícia às espertezas finais que
conduzirão à socialização dos
prejuízos sobre os trabalhadores
-que perderão empregos- e sobre o cidadão -que pagará mais
caro por um serviço possivelmente piorado.
Na origem da confusão gerada
pela crise, há sempre uma forte
dose de responsabilidade de governo, que se soma aos descaminhos dos gestores privados. Se
comparássemos a empresa a um
prédio de três pavimentos, no térreo estaria a base de governança
da companhia, que sustenta ou
fragiliza todo o edifício. No andar
do meio estaria o pavimento regulatório-tributário, com o governo interferindo por meio de suas
regras, recolhendo impostos, exigindo certos procedimentos.
No andar de cima, fica o mercado, no qual a empresa acaba lucrando ou tendo prejuízo, ante
seus próprios custos e a concorrência que enfrenta. É este último
o patamar dito operacional e financeiro. A confusão mais comum, nos recentes diagnósticos
de problemas empresariais ou setoriais, é olhar para o pavimento
de cima -o âmbito operacional,
do mercado- e identificar nesse
segmento as supostas origens da
crise. Na aviação, as frases de efeito se multiplicam: "Temos empresas demais" (quantas seriam suficientes?) ou "alguém precisar
controlar a oferta de assentos"
(quem seria esse?) ou ainda "Bin
Laden destruiu a aviação no
mundo todo" (o que dizer das diversas empresas lucrativas?).
Ninguém pode pôr em dúvida
as reais dificuldades da aviação
civil no Brasil. É um setor complexo de operar e altamente competitivo. Mas é certo também afirmar que a fonte maior dos problemas do setor não está na operação das companhias em crise tanto quanto nos dois andares de
baixo, da ação deletéria do próprio governo sobre elas e, principalmente, da má governança corporativa.
De fato nada se compara, em
ordem de importância, aos problemas de gestão determinados,
por exemplo, por uma governança do tipo fundacional, em que o
poder na empresa nasce não de
um grupo controlador, mas pelo
exercício do poder político dentro
do próprio ente fundacional. Mal
comparando, é como se uma empresa carregasse nela um "governo do tipo parlamentarista". Só
por acaso essa fórmula de controle não geraria fortes distorções e
propensão a desvios de toda natureza. É o caso do grupo Varig,
cuja operação, em si, ainda apresenta indicadores razoáveis, apesar de toda a crise no andar de
baixo, da governança corporativa.
Por isso, não deixa de causar
bastante perplexidade quando
brotam, lá do fundo da incompreensão do problema, as soluções recorrentes, como a fusão de
companhias num setor em crise.
Uma fusão é sempre um salto perigoso porque, além de envolver a
superação de choques de culturas
diferentes, só encontra justificativa se são muito claras as vantagens operacionais ou financeiras
dela advindas.
Mas, se o problema tem origem
na governança corporativa da
empresa ou no andar do meio (do
governo) pela maneira equivocada de cobrar impostos e de se estabelecerem as regras de segurança
e convivência, torna-se um erro
cogitar a fusão como solução.
Primeiro será preciso mudar a
governança empresarial, pacificar as relações como seus principais colaboradores -no caso, os
empregados da companhia-,
para, então, cogitar eventuais ganhos numa operação conjugada.
Porém as administrações em
crise e às vezes o próprio governo,
envolvido por sua parcela de culpa -seja porque taxa demais, fiscaliza de menos, onera de juros e
pune pelo câmbio-, preferem
manter o foco no andar de cima,
para não ter de enfrentar a dura
realidade da base dos problemas.
A verdade é que erros de diagnóstico -fusão e confusão- são
contas a pagar para a sociedade
que ajudou com sua renda, com
seus impostos e com sua torcida a
construir segmentos tão relevantes -como, no caso, a aviação civil nacional. O desperdício de esforços já realizados é a grande
chaga econômica brasileira. A socialização dos prejuízos e a destruição de empresas para a salvação dos seus empresários (quando
deveria ser o contrário!) são o mal
recorrente que ainda poderíamos
tentar evitar.
No meio da confusão, os pagantes diretos são os empregados da
empresa em crise, que continuam
a fazê-la operar, no andar de cima, até a undécima hora, enquanto vai se solapando seu patrimônio previdenciário e de esperanças de futuro.
Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de
crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
E-mail -
paulo@rcconsultores.com.br
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