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OPINIÃO ECONÔMICA
O Brasil está sendo flexível na Alca
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Vou escrever hoje sobre a
Alca, tudo bem? Imagino a
reação do leitor: "Outra vez?".
Bem sei (suspiro) que quase ninguém tem paciência com as fixações dos outros. Em relação a esse
assunto, já me sinto um pouco como o Eduardo Suplicy com a renda mínima. Com o passar do tempo, conhecidos, correligionários,
amigos e familiares do senador,
tendo experimentado sucessivas e
detalhadas explanações, entravam em pânico sempre que ele
voltava a abordar a matéria. Alguns tentavam sair de fininho.
Outros, menos cerimoniosos, se
antecipavam e fugiam espavoridos à sua aproximação.
Constato com tristeza que venho sofrendo a mesmíssima incompreensão. O próprio Suplicy,
amigo querido de muitos anos e
uma das pessoas mais pacientes
do planeta, já dá sinais de cansaço quando procuro mobilizá-lo
para o tema Alca.
No domingo passado, aqui mesmo neste espaço, Rubens Ricupero intitulou da seguinte maneira
a sua coluna semanal: "A Alca ficou chata". Confesso que fiquei
ressentido de ver uma das minhas
obsessões prediletas tratada assim, dessa maneira desrespeitosa.
Mas, enfim, na substância o artigo estava muito bom. Outro artigo interessante sobre o tema foi o
de Benjamim Steinbruch, também publicado neste espaço ("O
sonho americano", em 17 de fevereiro de 2004).
Apesar do tédio que provoca no
embaixador Ricupero, a Alca está
atravessando uma fase muito delicada, possivelmente decisiva. A
última reunião, realizada no início deste mês em Puebla, no México, terminou em impasse. Foi
convocado novo encontro para
março, também em Puebla, para
tentar destravar as negociações.
Os americanos escolheram uma
forma um tanto curiosa de divulgar a sua versão sobre o impasse:
uma teleconferência de um funcionário do Ministério de Comércio Exterior dos EUA, concedida
sob a condição de que seu nome
não fosse revelado. A transcrição
da teleconferência está disponível
no site do ministério, o que confere um caráter oficial às declarações anônimas (ver "Background
Teleconference Call by a "U.S.
Trade Official" Regarding the Free
Trade Area of the Americas Trade Negotiating Committee Meeting in Puebla, Mexico, February
7, 2004", www.ustr.gov).
Já discuti o impasse de Puebla
em artigos anteriores. (Remeto os
interessados a texto publicado no
site da Agência Carta Maior:
"Impasse na Alca: vale a pena
continuar?", 10 de fevereiro de
2004, www.agenciacartamaior.uol.com.br).
Mas há um aspecto que ainda
precisa ser ressaltado. Os EUA estão empenhados em transferir
para o Mercosul a responsabilidade pelo impasse. Washington
alega que o Mercosul é ambicioso
em matéria de abertura de mercados (especialmente agrícolas),
mas não se dispõe a fazer concessões relevantes em temas como
serviços, investimentos, compras
governamentais e propriedade
intelectual. A intransigência do
Mercosul nessas questões prioritárias para os EUA estaria dificultando o avanço da negociação.
Intransigência? É difícil aceitar
essa avaliação. O Brasil e seus
parceiros do Mercosul têm sido
muito flexíveis -talvez flexíveis
demais.
O Itamaraty não divulgou integralmente as propostas apresentadas na Alca. Não obstante, a
julgar pelos aspectos que vieram a
público, a disposição de negociar
e transigir parece clara.
O Mercosul propôs, por exemplo, a eliminação de todas as tarifas de importação para bens agrícolas e industriais em até 15 anos!
Uma proposta ambiciosa, provavelmente problemática para vários segmentos importantes da
economia brasileira -sobretudo
se não for combinada com salvaguardas contra aumentos de importação que possam colocar em
risco setores da economia e com
cláusulas que permitam a proteção de indústrias nascentes e restrições à importação em caso de
dificuldades de balanço de pagamentos.
Outro exemplo de flexibilidade:
o Mercosul concorda em remeter
para a OMC a discussão da legislação antidumping, como sempre
quiseram os EUA. Aceita, além
disso, que os subsídios domésticos
à agricultura também fiquem para discussão na OMC, acatando
outra pretensão de Washington.
Em contrapartida, nossos negociadores pretendem que os EUA
também concordem em deixar fora da Alca a definição de normas
referentes aos temas problemáticos acima referidos (serviços, investimentos, compras governamentais e propriedade intelectual). Repare, leitor, que também
nesse ponto a proposta do Mercosul é flexível. O Brasil e seus aliados pretendem negociar normas e
disciplinas para esses temas no
âmbito da OMC ou outros foros
multilaterais, mas não se recusam a discutir na Alca acesso a
mercados em serviços e investimentos, desde que a negociação
se faça com base em "listas positivas", isto é, que a abertura se aplique apenas aos setores expressamente mencionados no acordo.
Nada disso parece suficiente para os EUA. Em Puebla, os negociadores americanos abraçaram
firmemente a tese de que os países
relutantes em aceitar compromissos pesados em todos os temas
prioritários para Washington devem contentar-se com concessões
menores em termos de acesso a
mercados, especialmente agrícolas.
Ora, mesmo nos acordos de livre comércio tipo "heavy", inclusive nos recentemente concluídos,
as concessões feitas pelos EUA em
matéria de agricultura têm sido
muito modestas. Pretendem reduzi-las ainda mais?
Faço minha a pergunta de um
diplomata brasileiro com larga
experiência em negociações internacionais: "Afinal, o que é que o
Brasil tem a ganhar com a Alca?".
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-SP, escreve às quintas-feiras
nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é..." (Boitempo Editorial).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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