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VINICIUS TORRES FREIRE
O ferro da Vale e o descolamento
Mineradora obtém segundo maior reajuste de preço da história, sinal de demanda forte por matérias-primas
A VALE conseguiu elevar em pelo menos 65% o preço do minério de ferro que vende para
siderúrgicas do Japão, da Coréia e da
Europa. O preço para as empresas
chinesas deve ficar por aí ou mais alto. Não se trata de notícia "setorial".
Nem de interesse apenas dos acionistas da empresa, de consumidores
de produtos que contêm aço, de analistas da inflação global de matérias-primas. Nem só do desempenho do
comércio brasileiro -as vendas de
minério de ferro equivalem a 6,6%
de tudo o que o país exporta.
Tamanho reajuste do preço do minério de ferro é um sinal relevante
das expectativas das siderúrgicas a
respeito do crescimento econômico
mundial: ainda forte, ao menos em
vastas regiões do mundo; ao menos
nesta primeira metade do ano. Ou,
então, está todo mundo enganado e
vamos ver em breve uma baita crise
de excesso de capacidade produtiva.
Desde que começou o boom do
ferro e de outras commodities, em
2003, o preço do minério subira
284% até 2007. Com o reajuste deste ano, o segundo maior da história,
o aumento vai a 469%. O motivo do
boom, arquiconhecido, é a explosão
do complexo China-Ásia. Os chineses produzem um terço do aço mundial e, na última década, foram responsáveis por 65% do aumento da
produção mundial de aço.
Se as siderúrgicas estão pagando
tais enormidades, é que esperam poder repassar preços e vender seus
produtos para a indústria de automóveis, de outros bens de consumo
duráveis, de máquinas; para a construção civil e de instalações produtivas. Quem compra minério e aço
precisa comprar outros metais. E,
para processar tudo isso, é preciso
muito mais capacidade produtiva,
mais emprego, mais máquinas.
Assim como em 2007, deve "faltar" minério neste ano. A alta contínua do preço do ferro, assim como
de outras commodities, está enterrando as previsões de preço. Em
meados de 2007, os analistas de
grandes bancos globais estimavam
que o preço do minério de ferro poderia subir de 10% a 30% neste ano.
Desde então, o preço no mercado "à
vista", "spot", tem ficado em um nível duas a três vezes superior ao dos
contratos a prazo. Para as siderúrgicas, em especial as do Japão e da Coréia, tem sido mais importante garantir o fornecimento do que o preço. Mesmo com a notícia da mordida
da Vale, o preço das ações das siderúrgicas japonesas subiu. Foi um alívio: esperavam um reajuste de mais
de 80%, entre outros motivos.
Do total do valor das exportações
brasileiras, cerca de 60% dependem
de matérias-primas: de recursos naturais quase brutos ou com baixo nível de transformação industrial. Minerais metálicos e ferro (afora minério) são 7,3% da balança. Soja e derivados respondem por 7,2%, combustíveis, 9,6%, e carnes levam 6%,
para ficar em apenas em alguns
exemplos de "recursos naturais".
Não se pode deduzir do reajuste
do minério de ferro que as demais
commodities vão subir (açúcar e papel, por exemplo, não vão bem).
Mas, no mesmo conjunto de consumidores e fábricas que demandam
tanto ferro, a preço tão alto, deve ser
grande também a avidez por outras
matérias-primas e alimentos. O preço do ferro da Vale pode ser um sinal
de descolamento de parte importante do mundo da crise dos EUA.
vinit@uol.com.br
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