São Paulo, terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

O ferro da Vale e o descolamento

Mineradora obtém segundo maior reajuste de preço da história, sinal de demanda forte por matérias-primas

A VALE conseguiu elevar em pelo menos 65% o preço do minério de ferro que vende para siderúrgicas do Japão, da Coréia e da Europa. O preço para as empresas chinesas deve ficar por aí ou mais alto. Não se trata de notícia "setorial". Nem de interesse apenas dos acionistas da empresa, de consumidores de produtos que contêm aço, de analistas da inflação global de matérias-primas. Nem só do desempenho do comércio brasileiro -as vendas de minério de ferro equivalem a 6,6% de tudo o que o país exporta.
Tamanho reajuste do preço do minério de ferro é um sinal relevante das expectativas das siderúrgicas a respeito do crescimento econômico mundial: ainda forte, ao menos em vastas regiões do mundo; ao menos nesta primeira metade do ano. Ou, então, está todo mundo enganado e vamos ver em breve uma baita crise de excesso de capacidade produtiva.
Desde que começou o boom do ferro e de outras commodities, em 2003, o preço do minério subira 284% até 2007. Com o reajuste deste ano, o segundo maior da história, o aumento vai a 469%. O motivo do boom, arquiconhecido, é a explosão do complexo China-Ásia. Os chineses produzem um terço do aço mundial e, na última década, foram responsáveis por 65% do aumento da produção mundial de aço.
Se as siderúrgicas estão pagando tais enormidades, é que esperam poder repassar preços e vender seus produtos para a indústria de automóveis, de outros bens de consumo duráveis, de máquinas; para a construção civil e de instalações produtivas. Quem compra minério e aço precisa comprar outros metais. E, para processar tudo isso, é preciso muito mais capacidade produtiva, mais emprego, mais máquinas.
Assim como em 2007, deve "faltar" minério neste ano. A alta contínua do preço do ferro, assim como de outras commodities, está enterrando as previsões de preço. Em meados de 2007, os analistas de grandes bancos globais estimavam que o preço do minério de ferro poderia subir de 10% a 30% neste ano.
Desde então, o preço no mercado "à vista", "spot", tem ficado em um nível duas a três vezes superior ao dos contratos a prazo. Para as siderúrgicas, em especial as do Japão e da Coréia, tem sido mais importante garantir o fornecimento do que o preço. Mesmo com a notícia da mordida da Vale, o preço das ações das siderúrgicas japonesas subiu. Foi um alívio: esperavam um reajuste de mais de 80%, entre outros motivos.
Do total do valor das exportações brasileiras, cerca de 60% dependem de matérias-primas: de recursos naturais quase brutos ou com baixo nível de transformação industrial. Minerais metálicos e ferro (afora minério) são 7,3% da balança. Soja e derivados respondem por 7,2%, combustíveis, 9,6%, e carnes levam 6%, para ficar em apenas em alguns exemplos de "recursos naturais".
Não se pode deduzir do reajuste do minério de ferro que as demais commodities vão subir (açúcar e papel, por exemplo, não vão bem). Mas, no mesmo conjunto de consumidores e fábricas que demandam tanto ferro, a preço tão alto, deve ser grande também a avidez por outras matérias-primas e alimentos. O preço do ferro da Vale pode ser um sinal de descolamento de parte importante do mundo da crise dos EUA.


vinit@uol.com.br

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