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PROPAGANDA
Cozinheiro-apresentador mistura sua imagem a de rede de supermercados e os dois lados acabam lucrando
Oliver confunde marketing e entretenimento
GARY SILVERMAN
DO "FINANCIAL TIMES"
Os tempos são assustadores para os anunciantes. Novas tecnologias como os gravadores digitais
de vídeo estão dando aos consumidores a capacidade de evitar
mensagens de marketing, e isso
significa que a publicidade do futuro terá de fazer mais.
Não será mais suficiente que as
empresas interrompam programas de televisão para informar os
telespectadores sobre seus produtos. Elas terão de produzir comunicações de várias espécies, que
sejam tão divertidas ou de tamanha utilidade que os consumidores na verdade desejem assisti-las.
É uma empreitada difícil, mas
não impossível, como vem demonstrando Jamie Oliver, 30, que
ganhou celebridade com seus
programas de culinária.
Ele vem produzindo uma combinação de ativismo social, entretenimento e publicidade tão poderosa que se tornou uma das figuras mais populares do Reino
Unido.
Oliver é um proprietário de restaurantes que vem produzindo há
anos uma série de livros de culinária e programas de televisão
muito populares, cuja peça central é a idéia de que não existe nada tão bom quanto produtos alimentícios britânicos frescos.
Mas sua "pièce de resistance"
foi uma série de programas exibidos pelo Channel 4, no ano passado, sob o título "Jamie's School
Dinners", que retratavam seus esforços para melhorar a qualidade
da comida nas escolas públicas do
Reino Unido.
Presença política
Filmados ao estilo de documentários, os programas obtiveram
sucesso de audiência e exerceram
importante impacto cultural, garantindo a posição de Oliver como figura política e solidificando
seu status como porta-voz publicitário muito bem remunerado.
Enquanto políticos como o primeiro-ministro Tony Blair corriam para demonstrar sua preocupação quanto à qualidade da
comida nas escolas, a cadeia de
supermercados Sainsbury's renovava seu contrato com Jamie Oliver, que continuará a representar
a empresa pelo sexto ano consecutivo, por um cachê anual superior a 1 milhão de libras.
A agência de publicidade que
atende a cadeia de varejo, Abbott
Mead Vickers BBDO, produziu
uma campanha de marketing que
ecoa a linguagem e o espírito da
série "Jamie's School Dinners".
Como parte de seu trabalho para melhorar a qualidade das refeições escolares, Oliver distribuía
aos alunos etiquetas que diziam
"experimentei algo novo". Agora,
em nome da Sainsbury's, ele está
convidando os consumidores a
"experimentar algo novo hoje".
A capacidade de Oliver para parecer convincente nas duas funções é testemunha tanto do potencial dessa forma de comunicação quanto de seus limites.
Trata-se de uma situação de difícil reprodução. A estratégia de
Oliver pode ser resumida como
"deixar que Jamie seja Jamie".
Em entrevista na sede da Sainsbury's em Londres, Oliver disse
que o processo que conduziu à série de televisão foi "muito simples. Fui ao Channel 4 e disse que
queria conduzir uma campanha
para mudar radicalmente a comida que servimos às nossas crianças nas escolas. Acredito apaixonadamente nessa causa. Qualquer
coisa que envolva a palavra "apaixonadamente" em geral atrai a
atenção deles, porque sabem que,
quando Jamie se apaixona por alguma coisa, isso pode resultar em
algo valioso para eles".
O sucesso da campanha de Oliver nas escolas suscita a questão
quanto a uma possível colaboração entre Oliver e as equipes de
marketing da Sainsbury's, no Reino Unido, e da AMV, uma subsidiária do grupo Omnicom nos Estados Unidos, para conceber o
projeto. Mas a seqüência dos
eventos sugere que seu triunfo se
deve em larga medida ao improviso, se não ao acaso.
Antiesnobe
No momento em Oliver estava
deliciando as audiências de televisão com seus esforços para convencer crianças a comer algo mais
saudável do que hambúrgueres e
batatas fritas, a Sainsbury's estava
estudando encerrar sua colaboração com a AMV, que atendia sua
conta há 25 anos.
Os últimos cinco anos desse período já incluíam Oliver como colaborador, recrutado depois que
uma campanha anterior da Sainsbury's para veicular receitas pela
televisão foi considerada como
"esnobe demais", diz Peter Souter, vice-presidente do conselho
da AMV.
Ao convidar a JWT para disputar a conta com a AMV, a Sainsbury's parecia ela mesma disposta
a experimentar algo novo.
Ambas as agências foram convidadas a propor idéias para a "evolução da marca Sainsbury's", de
acordo com Gwyn Burr, diretora
de serviços ao consumidor. Era a
espécie de disputa que a agência
titular de uma conta costuma perder, de acordo com os analistas.
A AMV concentrou sua proposta nos números. Uma loja típica
da cadeia Sainsbury's tem em estoque cerca de 30 mil itens, e o
comprador médio adquire apenas 120 deles. A AMV calculou
que, se os compradores fossem
persuadidos a adquirir um item a
mais, a Sainsbury's seria capaz de
atingir suas metas de crescimento
no faturamento por unidade.
A idéia poderia funcionar sem
Oliver. Mas, à medida que a proposta se desenrolava e a popularidade dele crescia, a AMV decidiu
amarrar sua idéia a Oliver, e "teve
muita sorte" porque o homem
que escolheu "virou santo", de
acordo com Souter.
Ao mesmo tempo, a Sainsbury's
se beneficiou de um exemplo acidental daquilo que o pessoal de
publicidade vem designando como "branded content" [conteúdo
vinculado a marca].
Trata-se de um primo mais sofisticado da velha idéia do merchandising, sob qual produtos são
exibidos durante um programa, e
atrai mais atenção dos executivos,
muitos dos quais acreditam que
merchandising à moda tradicional irrita os consumidores.
O objetivo dessa nova tendência
é criar personagens, em programas de entretenimento, que atendam a necessidades de marketing.
"Jamie's School Dinners" demonstra que a idéia é factível, ainda que, nesse caso, o sucesso se
deva provavelmente ao acaso.
"Não sabíamos que Jamie evoluiria nessa direção", diz Souter.
"Nós tivemos sorte com um ou
dois programas que vinculavam
conteúdo à marca."
A variável interessante nesse relacionamento é que ele parece
funcionar com base na idéia de
que Oliver mantenha certa distância da Sainsbury's.
Ele visita a empresa regularmente e a cada mês oferece seus
conselhos quanto a novos produtos, prestando atenção a detalhes
tão específicos quanto o tamanho
do moedor usado para moer carne de porco para salsichas.
Oliver também gosta de deixar
claro que seu relacionamento
com a Sainsbury's foi crucial para
seus outros projetos.
O dinheiro que ele recebe do supermercado permite que ele produza programas de televisão
-não só "Jamie's School Dinners" como "Jamie's Kitchen", série na qual ele treinou 15 jovens
pobres para trabalhar no Fifteen,
seu restaurante em Londres.
"Eu normalmente banco esses
projetos", diz. "Se não fosse a
Sainsbury's, para ser franco, eu jamais teria conseguido abrir o Fifteen e tampouco teria conseguido
conduzir a campanha escolar.
Não teria dinheiro suficiente."
Mas ele também gosta de enfatizar que não pretende se aproximar demais da Sainsbury's.
Quando Jamie está sendo Jamie,
ele interpreta o papel do cético, do
homem que desconfia do sistema.
"Minha relação com o público se
baseia na honestidade", diz. "Eu
não minto. Se digo que algo é
bom, sempre é."
No momento, só existe um Jamie Oliver. A questão para o setor
de publicidade de marketing é determinar se será possível criar novos Olivers.
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