São Paulo, domingo, 19 de março de 2006

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PROPAGANDA

Cozinheiro-apresentador mistura sua imagem a de rede de supermercados e os dois lados acabam lucrando

Oliver confunde marketing e entretenimento

GARY SILVERMAN
DO "FINANCIAL TIMES"

Os tempos são assustadores para os anunciantes. Novas tecnologias como os gravadores digitais de vídeo estão dando aos consumidores a capacidade de evitar mensagens de marketing, e isso significa que a publicidade do futuro terá de fazer mais.
Não será mais suficiente que as empresas interrompam programas de televisão para informar os telespectadores sobre seus produtos. Elas terão de produzir comunicações de várias espécies, que sejam tão divertidas ou de tamanha utilidade que os consumidores na verdade desejem assisti-las.
É uma empreitada difícil, mas não impossível, como vem demonstrando Jamie Oliver, 30, que ganhou celebridade com seus programas de culinária.
Ele vem produzindo uma combinação de ativismo social, entretenimento e publicidade tão poderosa que se tornou uma das figuras mais populares do Reino Unido.
Oliver é um proprietário de restaurantes que vem produzindo há anos uma série de livros de culinária e programas de televisão muito populares, cuja peça central é a idéia de que não existe nada tão bom quanto produtos alimentícios britânicos frescos.
Mas sua "pièce de resistance" foi uma série de programas exibidos pelo Channel 4, no ano passado, sob o título "Jamie's School Dinners", que retratavam seus esforços para melhorar a qualidade da comida nas escolas públicas do Reino Unido.

Presença política
Filmados ao estilo de documentários, os programas obtiveram sucesso de audiência e exerceram importante impacto cultural, garantindo a posição de Oliver como figura política e solidificando seu status como porta-voz publicitário muito bem remunerado.
Enquanto políticos como o primeiro-ministro Tony Blair corriam para demonstrar sua preocupação quanto à qualidade da comida nas escolas, a cadeia de supermercados Sainsbury's renovava seu contrato com Jamie Oliver, que continuará a representar a empresa pelo sexto ano consecutivo, por um cachê anual superior a 1 milhão de libras.
A agência de publicidade que atende a cadeia de varejo, Abbott Mead Vickers BBDO, produziu uma campanha de marketing que ecoa a linguagem e o espírito da série "Jamie's School Dinners".
Como parte de seu trabalho para melhorar a qualidade das refeições escolares, Oliver distribuía aos alunos etiquetas que diziam "experimentei algo novo". Agora, em nome da Sainsbury's, ele está convidando os consumidores a "experimentar algo novo hoje".
A capacidade de Oliver para parecer convincente nas duas funções é testemunha tanto do potencial dessa forma de comunicação quanto de seus limites.
Trata-se de uma situação de difícil reprodução. A estratégia de Oliver pode ser resumida como "deixar que Jamie seja Jamie".
Em entrevista na sede da Sainsbury's em Londres, Oliver disse que o processo que conduziu à série de televisão foi "muito simples. Fui ao Channel 4 e disse que queria conduzir uma campanha para mudar radicalmente a comida que servimos às nossas crianças nas escolas. Acredito apaixonadamente nessa causa. Qualquer coisa que envolva a palavra "apaixonadamente" em geral atrai a atenção deles, porque sabem que, quando Jamie se apaixona por alguma coisa, isso pode resultar em algo valioso para eles".
O sucesso da campanha de Oliver nas escolas suscita a questão quanto a uma possível colaboração entre Oliver e as equipes de marketing da Sainsbury's, no Reino Unido, e da AMV, uma subsidiária do grupo Omnicom nos Estados Unidos, para conceber o projeto. Mas a seqüência dos eventos sugere que seu triunfo se deve em larga medida ao improviso, se não ao acaso.

Antiesnobe
No momento em Oliver estava deliciando as audiências de televisão com seus esforços para convencer crianças a comer algo mais saudável do que hambúrgueres e batatas fritas, a Sainsbury's estava estudando encerrar sua colaboração com a AMV, que atendia sua conta há 25 anos.
Os últimos cinco anos desse período já incluíam Oliver como colaborador, recrutado depois que uma campanha anterior da Sainsbury's para veicular receitas pela televisão foi considerada como "esnobe demais", diz Peter Souter, vice-presidente do conselho da AMV.
Ao convidar a JWT para disputar a conta com a AMV, a Sainsbury's parecia ela mesma disposta a experimentar algo novo.
Ambas as agências foram convidadas a propor idéias para a "evolução da marca Sainsbury's", de acordo com Gwyn Burr, diretora de serviços ao consumidor. Era a espécie de disputa que a agência titular de uma conta costuma perder, de acordo com os analistas.
A AMV concentrou sua proposta nos números. Uma loja típica da cadeia Sainsbury's tem em estoque cerca de 30 mil itens, e o comprador médio adquire apenas 120 deles. A AMV calculou que, se os compradores fossem persuadidos a adquirir um item a mais, a Sainsbury's seria capaz de atingir suas metas de crescimento no faturamento por unidade.
A idéia poderia funcionar sem Oliver. Mas, à medida que a proposta se desenrolava e a popularidade dele crescia, a AMV decidiu amarrar sua idéia a Oliver, e "teve muita sorte" porque o homem que escolheu "virou santo", de acordo com Souter.
Ao mesmo tempo, a Sainsbury's se beneficiou de um exemplo acidental daquilo que o pessoal de publicidade vem designando como "branded content" [conteúdo vinculado a marca].
Trata-se de um primo mais sofisticado da velha idéia do merchandising, sob qual produtos são exibidos durante um programa, e atrai mais atenção dos executivos, muitos dos quais acreditam que merchandising à moda tradicional irrita os consumidores.
O objetivo dessa nova tendência é criar personagens, em programas de entretenimento, que atendam a necessidades de marketing. "Jamie's School Dinners" demonstra que a idéia é factível, ainda que, nesse caso, o sucesso se deva provavelmente ao acaso.
"Não sabíamos que Jamie evoluiria nessa direção", diz Souter. "Nós tivemos sorte com um ou dois programas que vinculavam conteúdo à marca."
A variável interessante nesse relacionamento é que ele parece funcionar com base na idéia de que Oliver mantenha certa distância da Sainsbury's.
Ele visita a empresa regularmente e a cada mês oferece seus conselhos quanto a novos produtos, prestando atenção a detalhes tão específicos quanto o tamanho do moedor usado para moer carne de porco para salsichas.
Oliver também gosta de deixar claro que seu relacionamento com a Sainsbury's foi crucial para seus outros projetos.
O dinheiro que ele recebe do supermercado permite que ele produza programas de televisão -não só "Jamie's School Dinners" como "Jamie's Kitchen", série na qual ele treinou 15 jovens pobres para trabalhar no Fifteen, seu restaurante em Londres.
"Eu normalmente banco esses projetos", diz. "Se não fosse a Sainsbury's, para ser franco, eu jamais teria conseguido abrir o Fifteen e tampouco teria conseguido conduzir a campanha escolar. Não teria dinheiro suficiente."
Mas ele também gosta de enfatizar que não pretende se aproximar demais da Sainsbury's. Quando Jamie está sendo Jamie, ele interpreta o papel do cético, do homem que desconfia do sistema. "Minha relação com o público se baseia na honestidade", diz. "Eu não minto. Se digo que algo é bom, sempre é."
No momento, só existe um Jamie Oliver. A questão para o setor de publicidade de marketing é determinar se será possível criar novos Olivers.


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