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OPINIÃO ECONÔMICA
Obsessão controlada
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Amigos, eis que baixa novamente a falta de assunto.
Sobre o que escrever hoje?
Será que vale a pena desancar outra vez aquele alto
funcionário do Banco Central? Não, hoje não. Para
desgraça dos colunistas semanais de economia, ultimamente a figura em questão recolheu-se a um mutismo pouco característico e
interrompeu suas notáveis
contribuições ao folclore
econômico nacional.
Posso voltar à questão do
câmbio? Uma olhada nos arquivos revela que não toco
no tema (nesta coluna) desde janeiro. Mau sinal, mau
sinal. Obsessivo que não cultiva sistematicamente a sua
obsessão é um falso obsessivo, um obsessivo de araque,
que apenas simula a nobre
propensão a ter idéias fixas.
Toda obsessão autêntica
tem que ser um longo e paciente trabalho de auto-intoxicação.
Mas há pior. Constato, também, que há muito tempo
não aparece nesta página a
figura insubstituível do Nelson Rodrigues, santo padroeiro de todos os obsessivos. Ele, que já foi até título
de artigo meu, anda tristemente esquecido e abandonado. Eis aí uma falha realmente grave, pois há muitos
que só me lêem na esperança de topar com suas frases
e piadas. Ainda ontem uma
das minhas leitoras mais assíduas me incitava: "Fala no
Nelson Rodrigues amanhã,
vai, fala!".
Então, vamos lá. Observem
o título geral desta coluna:
"Opinião Econômica". Bem,
segundo o Nelson Rodrigues, "opinião" é uma palavra altamente imprópria.
Com as técnicas modernas
de comunicação e massificação, o indivíduo pensa cada
vez menos. A opinião deixou, há muito tempo, de ser
um ato pessoal e solitário.
Há sujeitos que nascem, envelhecem e morrem sem jamais ter arriscado um raciocínio próprio. Há toda uma
massa de frases feitas, opiniões feitas e até sentimentos feitos à nossa disposição.
Com isso chegamos à questão do câmbio. Depois do
que aconteceu em fins de
1997, já ninguém ousa
questionar a tese de que a
excessiva valorização cambial e outras imprudências
da política econômica dos
anos recentes deixaram o
Brasil em posição altamente
vulnerável. Todavia, uma
sólida e compacta maioria
"opina" que a política cambial brasileira não pode ser
mudada. A "opinião" quase
consensual é que qualquer
tentativa de promover uma
desvalorização controlada
provocaria uma crise de
grandes proporções.
Um dos grandes responsáveis pela propagação dessa
profecia sinistra é o nosso
ministro da Fazenda. Agora
no domingo, voltou ao tema
em longa entrevista ao "O
Estado de S. Paulo". Malan
discorria serenamente sobre
a situação internacional e
criticava, com razão, as propostas do FMI de liberalização dos fluxos de capital,
quando, de repente, o repórter decidiu levantar a
questão da política cambial
brasileira. O ministro logo
perdeu um pouco a compostura. Respondeu que, "com
exceção de alguns acadêmicos e alguns elementos (sic)
na imprensa", existe atualmente uma avaliação muito
mais favorável sobre a condução da política cambial
no Brasil.
Para Malan, "na atual conjuntura internacional, não
existe essa idéia de maxidesvalorização controlada".
E citou dois exemplos aterrorizantes em apoio à sua
afirmação: "O México tentou fazer uma máxi controlada de 15% no final de
1994 e o mercado impôs
uma desvalorização nominal de 100%. A Tailândia
tentou fazer o mesmo, mais
recentemente, e sua moeda
sofreu uma desvalorização
nominal de até 75%".
Os exemplos são relevantes? Uma das características
comuns ao México em
1992/94 e à Tailândia em
1996/97 foi justamente a
longa demora das autoridades econômicas em reconhecer a insustentabilidade
da política cambial. Quando
resolveram mudá-la, já era
tarde para evitar o pânico financeiro. Os esforços anteriores de fugir à desvalorização haviam resultado em redução dramática das reservas do banco central e em
aumento perigoso dos compromissos cambiais de curto
prazo.
O México, por exemplo, dispunha de apenas US$ 11 bilhões em reservas internacionais em meados de dezembro de 1994, logo antes
de aumentar em 15% o limite superior da banda cambial. Os passivos externos de
curto prazo (inclusive dívida
pública em dólares), com
vencimento em 1995, alcançavam nada menos que US$
74,6 bilhões. A julgar pelos
dados oficiais, a situação
brasileira não chegou a esse
ponto.
Por outro lado, há diversos
exemplos mais recentes de
desvalorizações bem-sucedidas. Aqui na América Latina, o Chile e o próprio México, valendo-se da flexibilidade dos seus regimes cambiais, responderam à turbulência desencadeada a partir do leste da Ásia com depreciações significativas de
suas moedas desde outubro
de 1997. Mesmo no leste da
Ásia, temos o caso de Taiwan que, apesar de estar
próximo do epicentro da crise, produziu uma desvalorização controlada em relação ao dólar, atenuando a
perda de competitividade
resultante das desvalorizações muito mais acentuadas
das moedas de vários de
seus vizinhos.
Outra experiência interessante é a da República Tcheca, cuja moeda foi submetida a forte pressão em meados de maio de 1997, na
mesma época em que a Tailândia estava nos estágios
finais da sua longa luta para
defender uma política cambial insustentável. A República Tcheca tinha vários
pontos em comum com a
Tailândia: elevados déficits
no balanço de pagamentos
em conta corrente, grande
dependência de capitais de
curto prazo e um regime
cambial bastante inflexível.
Em fins de maio, depois de
um curto período de juros
extremamente elevados e
de perda de reservas, o governo tcheco resolveu abandonar a banda cambial. De
acordo com avaliação publicada pelo FMI em documento de dezembro último, essa
decisão de abandonar a
banda com relativa rapidez,
"antes que a posição do
banco central estivesse
substancialmente comprometida, ajudou a lançar as
bases para um rápido retorno a uma relativa estabilidade cambial em um nível moderadamente depreciado".
A principal lição da experiência internacional recente não é que a desvalorização controlada é impossível,
mas sim que agarrar-se indefinidamente a políticas de
valorização cambial, ainda
que com apoio geral da
"opinião", é extremamente
arriscado e pode resultar em
verdadeiras hecatombes financeiras.
Paulo Nogueira Batista Jr., 42, professor da
Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@uol.com.br
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