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OPINIÃO ECONÔMICA
No rumo do Imposto Único
MARCOS CINTRA
O governo editou a medida
provisória 179/04, que modifica a sistemática de cobrança da
CPMF no mercado financeiro. A
partir de agosto, os investidores
poderão transferir seus recursos
de uma aplicação para outra por
meio de uma conta-investimento,
a ser criada pelos bancos. Após
anos de espera, a medida corrige
grave distorção na cobrança da
CPMF. A criação da conta especial vai permitir ao aplicador movimentar seus investimentos entre diferentes modalidades sem
pagar o "pedágio" de 0,38%.
A mais forte razão da insatisfação do mercado financeiro com a
CPMF deriva do fato de a aplicação do tributo não distinguir a
característica das operações financeiras em relação às demais
operações vinculadas ao setor
real da economia.
Ao criar o IPMF (Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira), em 1993, o governo
não agiu com prudência. Não
atentou para a necessidade de
isentar do tributo as transações
nos mercados financeiro e de capitais. Prevaleceu a fúria arrecadatória.
A idéia de criar um tributo sobre a movimentação financeira
ganhou destaque em 1990, com o
projeto do IUT (Imposto Único
sobre Transações). Três anos depois, a proposta foi utilizada de
modo oportunista pelo governo,
que, em vez de usar o imposto sobre as transações financeiras para
substituir os vários impostos declaratórios, criando um único imposto, não resistiu a sua notória
sanha para arrecadar e acabou
criando mais um tributo, o IPMF,
depois rebatizado de CPMF. Não
obstante esse lamentável desvio
de intenção, aquela ação governamental deu início a uma sistemática tributária cuja experiência tem se mostrado amplamente
positiva, a ponto de ser a única espécie tributária a sobreviver incólume à avalanche de críticas e discordâncias envolvendo a reforma
tributária quando dos debates no
Congresso Nacional.
Quando idealizei o Imposto
Único, há quase 15 anos, previ
que haveria a necessidade de tratar as operações no mercado financeiro e de capitais de modo
diferenciado. As transações financeiras são de natureza distinta das operações mercantis do setor real da economia. Isso exige
que a metodologia aplicável na
cobrança do tributo as diferencie.
Uma transação financeira é
uma operação de aluguel de capital, ou seja, é uma cessão de uso
de uma mercadoria muito especial chamada "dinheiro". Tem a
mesma característica de um aluguel imobiliário.
Na locação de um imóvel, a
CPMF não incide sobre o valor do
bem (estoque) a cada vez que o
contrato de locação vence e é renovado. A tributação ocorre apenas sobre os pagamentos mensais
do aluguel (fluxo). Esse mesmo
princípio deve valer também para
as operações financeiras.
Um imposto "turnover", como a
CPMF, ao tributar o giro do capital nos mercados financeiros, incide sobre o estoque de capital, e
não apenas sobre o seu fluxo, como seria desejável.
Ao propor um tributo eletrônico
sobre a movimentação financeira, imaginei a existência de dois
tipos de conta bancária. Uma
conta corrente tradicional, cujos
movimentos ocorreriam via cheque, cartão de débito, DOCs e
transferências. A outra seria uma
conta especial que não permitiria
essa movimentação. Seria uma
conta que contemplaria apenas
transferências entre aplicações.
Sobre isso escrevi vários artigos,
chamando a atenção sobre a necessidade de ajustes na cobrança
da CPMF para o mercado financeiro. A tributação se daria apenas sobre os rendimentos do capital aplicado.
Com a MP 179, a CPMF proporciona maior liberdade para o
aplicador movimentar seus recursos. Antes, ao trocar de aplicação,
o investidor tinha que passar pela
conta corrente. Era tributado pela
CPMF toda vez que realizava
uma transferência. Com a nova
sistemática, o investidor vai pagar o tributo, pelo menos até julho de 2006, apenas na transferência para a conta-investimento
e depois fica livre da CPMF quando mudar seu portfólio. A partir
de agosto de 2006 a transferência
de recursos da conta-movimento
para a conta-investimento deixa
de ser tributada pela CPMF.
Em 2001, o Banco Central já tinha tudo isso detalhado, e o então
presidente da instituição, Armínio Fraga, chegou a anunciar a
medida como parte da minirreforma que FHC mandou ao Congresso em agosto daquele ano. Na
última hora, esse item ficou fora
do pacote tributário. Volta agora,
felizmente.
A MP 179 é um importante
aperfeiçoamento da CPMF e torna a marcha rumo ao Imposto
Único ainda mais inexorável. A
força da proposta vai gradualmente tornando realidade um sonho de muitos brasileiros que anseiam por um sistema tributário
que possa efetivamente promover
maior justiça social no país.
Mudar a estrutura de um sistema exige uma perspectiva temporal para ser devidamente assimilada. O Imposto Único não foge à
regra. Sua implantação nos moldes como foi idealizado é apenas
uma questão de tempo.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 58, doutor pela Universidade
Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, foi deputado federal
(1999-2003). Atualmente é secretário
das Finanças de São Bernardo do Campo. É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
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mcintra@marcoscintra.org
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