São Paulo, quarta-feira, 19 de abril de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

" Varig, Varig, ... Gate"

RODRIGO DELLA PASQUA MAROCCO

A Folha registrou o fato na sua principal manchete do último sábado: "Fundo da Varig tem rombo de R$ 1,66 bi", completando com a explicação demolidora: "Com liquidação, atuais funcionários perderão tudo o que pouparam para sua aposentadoria". O pior é que a chamada da Folha está absolutamente correta. Do jeito que o governo entrou para "ajudar" a Varig, a levará à ruína, arrastando milhares de pessoas (são mais de 7.000 em gozo de benefícios e mais de 8.000 ativos, ou seja, para lá de 50 mil vítimas) que confiaram nas leis do país e no seu sistema de previdência complementar.
Não precisaria ser assim. E ainda dá tempo de consertar. A intervenção no Aerus e, sobretudo, a liquidação sumária dos planos de aposentadoria da Varig são medidas extemporâneas. Havia, pelo menos, quatro anos vínhamos pleiteando, no órgão fiscalizador -a SPC-, que atuasse com mais rigor e eficácia no fundo da Varig. Diz a lei complementar nº 109, que regula fundos de pensão no Brasil, no seu art. 3º: "A ação do Estado será exercida com o objetivo de... (VI) proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios".
A União vem descumprindo a lei, desde que oferecemos denúncia, verbal e escrita, por mais de uma vez, aos sucessivos ministros da Previdência que por lá passaram, inclusive ao atual presidente do PT, Ricardo Berzoini, quando ocupou aquela cadeira.
O silêncio foi sempre a resposta oficial. Torna-se, portanto, insuportável e inaceitável que o governo venha, tardiamente, despertar do seu longo e distraído sono, para "prender e arrebentar" as poupanças duramente amealhadas, por profissionais aposentados, cujas famílias serão levadas ao desespero quando receberem seu último cheque do Aerus, em suas casas, com uma cartinha de "Acabou!".
Mais graves são os contornos políticos suspeitíssimos do caso. Como se sabe, os credores da Varig -trabalhadores (52%), empresas do governo (18%), arrendadores de aviões e turbinas (20%) e outros (10%)- aprovaram um plano de recuperação judicial para a empresa em 19 de dezembro último.
Antes que o gestor interino do plano pudesse respirar duas vezes, uma estatal, BR Distribuidora -credora pequena, mas fornecedora fundamental-, sacou cerca de US$ 30 milhões do caixa da Varig, ao cortar-lhe seu contrato rotativo de crédito para pagamento de combustível. Isso aconteceu em 13 de janeiro, a menos de 30 dias da aprovação do plano, que ela mesma, BR, havia apoiado. Ali começaram as penúrias da Varig pós-plano.
Prevendo o pior, o Sindicato Nacional dos Aeronautas e as associações de empregados ingressaram nos últimos dias na Justiça do Trabalho, que lhes concedeu uma proteção liminar para tocar o plano de recuperação, ao segregar ativos (e passivos) operacionais, suficientes para fazer rodar a empresa, atender nossos clientes e recuperar a frota que está no chão (21 aeronaves sem peças) por meio de investimentos -no valor de US$ 100 milhões- a serem sacados pelos próprios funcionários de suas poupanças no Aerus.
O governo não deixou. A "longa manus" do governo, a SPC, interveio no fundo para impedir a seqüência ordenada de resgate e investimento.
A leitura é clara: o governo não quer a Varig viva. Como afirmou o presidente Lula, logo após haver esnobado a presença de centenas de Variguianos clamando por equilíbrio e justiça (não por dinheiro público) à porta do seu palácio em Brasília. Ele disse: "Não cabe ao governo salvar empresa falida". Mas a Varig ainda estava e está em processo de recuperação. Pelo menos até que o governo, desrespeitando um plano privado de credores, começou a antecipar sua falência.
Tentaremos, mesmo assim, continuar voando. De subsídios a Varig nunca necessitou. Bem que o governo federal poderia deixar de fingir-se de morto, acertando suas contas de mau devedor com a Varig. De fato, dos R$ 8 bilhões devidos pela Varig aos credores e ao fisco, ela contrapõe R$ 4,5 bilhões de créditos julgados contra o governo federal, mais R$ 1 bilhão contra diversos Estados. Só com o saldo credor da Varig retido por Brasília já seria possível zerar o rombo do fundo de pensão Aerus. Não fazer isso, e quebrar a Varig, credora bilionária do governo, só elevará a conta final do sofrido contribuinte, que nada tem a ver com essa lambança federal.
Lambança ou "Varig-Gate"?


Rodrigo Della Pasqua Marocco, comandante da Varig, é presidente da Associação de Pilotos e diretor da Comissão Especial do Sindicato Nacional dos Aeronautas.


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