São Paulo, sábado, 19 de abril de 2008

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CÉSAR BENJAMIN

Os suspeitos de sempre


O BC é uma instituição opaca, guardiã de interesses rentistas, inimiga do crescimento e socialmente irresponsável

SERIA OCIOSO criticar extensamente a decisão do Banco Central de aumentar a taxa de juros. Raramente houve tamanha convergência de opiniões. No mundo, as taxas estão cadentes ou estáveis, muito abaixo das praticadas no Brasil, às vezes negativas. No plano interno, a inflação acumulada nos últimos 12 meses (4,7%) está colada no centro da meta definida pelo próprio BC (4,5%). O efeito do aumento dos juros sobre essa taxa é incerto, pois a maior parte do IPCA é calculada a partir de commodities e de setores que têm preços administrados pelo governo, ambos imunes à decisão do BC, e os oligopólios são capazes de defender seu "mark-up". Os setores concorrenciais e que produzem para o mercado interno é que terão, mais uma vez, que se ajustar à contração esperada da demanda.
Os ganhos da decisão do BC podem ser quase nulos, mas os efeitos indesejáveis são evidentes: maior apreciação do câmbio em um contexto de rápida deterioração das contas externas, crescimento mais rápido da dívida pública, que se torna mais cara, maiores custos de oportunidade para todos os investimentos. Cada ponto percentual de juros a mais, decidido pelo misterioso Copom, pode representar um dispêndio adicional da ordem de R$ 12 bilhões por ano, quantia muito superior ao orçamento de ministérios. Assim funciona a democracia brasileira.
Se a decisão é estapafúrdia, como pode ter sido tomada? Não é apenas porque o Banco Central brasileiro, na prática, é um órgão independente. É também pelo tipo de independência que ele possui. A independência do banco central dos Estados Unidos (Federal Reserve), por exemplo, não lhe permite ignorar os interesses da sociedade e atuar descolado do Estado.
Ao contrário do nosso Banco Central, os comitês do Federal Reserve são abertos à participação de diversos setores. A instituição, como um todo, é obrigada por lei a perseguir simultaneamente três objetivos -utilização plena da capacidade produtiva instalada, pleno emprego da força de trabalho e estabilidade de preços-, e não apenas um. Também ao contrário do que ocorre aqui, o Fed alimenta as contas do Tesouro norte-americano quando elas ficam negativas, de modo a garantir a execução do Orçamento da União. Regula a liquidez operando no "open market", vendendo títulos para recolher moeda, comprando títulos para injetar moeda, sempre de forma complementar à ação do Tesouro, órgão encarregado da execução orçamentária. Atua para apoiar, e não para desmoralizar, o processo decisório que ocorre no Congresso e na Presidência. Sua independência se limita a decisões que não se sobrepõem às atribuições dos poderes eminentemente políticos da República.
Esse arranjo institucional possibilita a adoção de políticas flexíveis, com forte viés anticíclico, que seguem decisões de Estado, boas ou más. Sob esse ponto de vista, o Brasil vive no pior dos mundos. Tem um Banco Central independente de fato, mas cuja independência foi imposta pelo sistema financeiro, sem que viesse acompanhada de nenhum tipo de regulamentação. Criou-se assim uma instituição fechada, opaca, guardiã de interesses rentistas, permanentemente contracionista, inimiga do crescimento e socialmente irresponsável. A qualquer pretexto, impunemente, puxa o gatilho dos juros e ataca os suspeitos de sempre, misteriosas ameaças de inflação.


CESAR BENJAMIN , 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.


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