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ARTIGO
Incerteza perturba até os melhores sistemas
Não existe explicação moral coerente para abandonar o capitalismo, o que não exclui a necessidade de reformas de resgate a bancos nos EUA
EDMUND PHELPS
DO "FINANCIAL TIMES"
EM PAÍSES que operam
sistemas em larga medida capitalistas, não
parece existir ampla compreensão sobre suas vantagens
e seus riscos, entre os agentes
econômicos e os responsáveis
por sua fiscalização.
A ignorância quanto ao que o
sistema pode contribuir levou
alguns países a descartá-lo ou
podar suas asas, no passado. A
ignorância quanto aos riscos
torna a imprudência nos mercados e a negligência das autoridades mais prováveis. Reconquistar um capitalismo funcional vai requerer reeducação e
uma profunda reforma.
O capitalismo não é "livre
mercado". Os sistemas capitalistas funcionam menos bem
sem proteção estatal aos investidores, credores e empresas
contra monopólios, trapaças e
fraudes. Esses sistemas podem
causar desgaste social se não
existirem subsídios que estimulem a inclusão de todos.
Por fim, um grande sistema
de seguro social, com os impostos elevados, salários reais baixos e riqueza limitada, pode
não prejudicar o capitalismo.
Em resumo, os sistemas capitalistas são um mecanismo
por meio do qual as economias
são capazes de gerar um crescimento no conhecimento, com
muita incerteza no processo.
O crescimento do conhecimento leva ao crescimento da
renda e à satisfação no emprego; a incerteza torna o mercado
propenso a súbitas oscilações.
Todos esses fenômenos foram
percebidos por Marx já em
1848. Mas a compreensão custou a chegar, no entanto.
A teoria inicial de Joseph
Schumpeter propunha que o
capitalismo aproveitava mais
rápido as oportunidades e assim atingia produtividade muito maior, graças à sua cultura,
ao zelo de empreendedores e à
diligência de banqueiros.
Mas a ideia de banqueiros
oniscientes e de empreendedores infalíveis é risível. Os estudiosos agora consideram que a
maior parte do crescimento é
propelido pelo conhecimento,
e não pela ciência. A economia
de Schumpeter -ou Adam
Smith mais sociologia- pouco
captura desse processo.
Friedrich Hayek ofereceu
outra visão, nos anos 30. Qualquer economia moderna, capitalista ou dirigida pelo Estado é
uma grande sopa de "know
how" privado disperso. Ninguém, diz, nem mesmo uma
agência estatal, seria capaz de
acumular todo o conhecimento
de cada participante. O Estado
não teria ideia de onde investir.
Só o capitalismo resolve esse
"problema do conhecimento".
Posteriormente, Hayek desenvolveu uma teoria que supunha que, graças às percepções especializadas que cada
um adquire, um executivo ou
trabalhador pode um dia "imaginar" uma inovação comercial
que não poderia vir de pessoas
exteriores à linha de trabalho.
Com isso, ele retrata um sistema capitalista funcional como uma organização de base
ampla, criada de baixo para cima, que oferece oportunidades
a diversas novas ideias.
Esse "procedimento de descoberta" torna o capitalismo
muito mais inovador do que o
socialismo ou o corporativismo, geridos de cima para baixo.
Estes últimos são burocráticos
demais para aprender com
ideias de escalões mais baixos.
Instituições
As economias capitalistas
funcionais só podem crescer
quando há instituições apropriadas. Era preciso que as empresas tivessem responsabilidade limitada e que um mercado existisse para que o controle
delas pudesse ser adquirido.
Instituições rudimentares surgiriam no início do século 19,
das leis societárias às Bolsas de
Valores, passando por bancos
controlados por acionistas.
Recompensas sem precedentes logo se seguiram na Europa
e na América: novas cidades,
um crescimento de produtividade ininterrupto, alta nos salários. As perspectivas de vida
melhoraram para quase todos.
Menos mensurável, mas igualmente fundamental, número
crescente de pessoas nas economias capitalistas passaram a
ter carreiras envolventes e
cheias de oportunidades.
Desde o começo, o lado negativo mais grave sempre foi o fato de que empreendimentos
criativos causavam incerteza
não só aos empresários mas
também aos demais participantes da economia mundial.
Frank Knight, observando o
capitalismo dos Estados Unidos em seu livro de 1921, afirmou que uma empresa, em todas as suas decisões exceto as
mais rotineiras, enfrentava
aquilo que hoje é conhecido como "incerteza knightiana".
Em uma economia inovadora, não existem precedentes suficientes para que seja possível
calcular a probabilidade deste
ou daquele desfecho. John
Maynard Keynes insistiu, em
1936, na "precariedade" de boa
parte do "conhecimento" utilizado para avaliar um investimento e na "fragilidade" das
crenças dos investidores.
Jamais foi sugerida uma explicação moral coerente para
abandonar um sistema que fornecia capacidade valiosa de
inovação, pesquisa, solução de
problemas, crescimento pessoal. Os socialistas e os corporativistas jamais ofereceram
um modelo alternativo de boa
vida. Simplesmente alegavam
que o sistema por eles advogado seria capaz de superar o capitalismo: prosperidade mais
ampla, ou mais empregos, ou
mais satisfação no emprego.
Infelizmente, não existe uma
compreensão ampla, da parte
do público, quanto aos benefícios que podem ser justamente
atribuídos ao capitalismo e
quanto aos motivos para que
esses benefícios acarretem custos. Essa falha intelectual deixou o capitalismo vulnerável a
oponentes e à ignorância.
O capitalismo perdeu boa
parte de seu prestígio no período entre as guerras mundiais,
quando muitos países na Europa ocidental optaram por sistemas corporativistas. Por fim, as
promessas de uma maior prosperidade com menos oscilações
não foram cumpridas. Os países que mantiveram o capitalismo e promoveram reformas,
algumas delas boas e outras
provavelmente não, terminaram por voltar a apresentar um
bom desempenho, até agora.
Os que se afastaram do capitalismo geraram menos inovação
e mais desemprego.
Agora o capitalismo está
atravessando sua segunda crise. Uma das explicações oferecidas é que banqueiros, não importa o quanto soubessem sobre o capitalismo, sabiam que,
para manter seus empregos, tinham de captar mais e mais e
emprestar mais e mais.
A implicação era que a crise
derivou de uma falha na governança corporativa em termos
de conter as bonificações e de
uma falha na regulamentação
em termos de conter a alavancagem do capital bancário.
Mas por que os grandes acionistas não agiram de maneira a
impedir a alavancagem excessiva? Por que os legisladores não
exigiram intervenção regulatória? A resposta, acredito, é que
não tinham ideia de que fosse
possível uma grande queda nos
preços das casas; e tampouco
estavam informados sobre a
deficiência fundamental nos
modelos de risco dos bancos.
Há muito de disfuncional nos
Estados Unidos e no Reino
Unido: um setor financeiro que
se afastou do setor de negócios
e em seguida se autodestruiu; e
um setor de negócios prejudicado pelo imediatismo. Caso
ainda contemos com nossos valores humanistas, tentaremos
reestruturar esses setores de
forma a fazer com que o capitalismo volte a funcionar bem.
Não fecharemos as portas a
sistemas que ofereceram vidas
recompensadoras a crescente
número de pessoas.
EDMUND PHELPS é diretor do Centro de Capitalismo e Sociedade da Universidade Columbia e
recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2006.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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