São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009

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ARTIGO

Incerteza perturba até os melhores sistemas

Não existe explicação moral coerente para abandonar o capitalismo, o que não exclui a necessidade de reformas de resgate a bancos nos EUA

EDMUND PHELPS
DO "FINANCIAL TIMES"

EM PAÍSES que operam sistemas em larga medida capitalistas, não parece existir ampla compreensão sobre suas vantagens e seus riscos, entre os agentes econômicos e os responsáveis por sua fiscalização.
A ignorância quanto ao que o sistema pode contribuir levou alguns países a descartá-lo ou podar suas asas, no passado. A ignorância quanto aos riscos torna a imprudência nos mercados e a negligência das autoridades mais prováveis. Reconquistar um capitalismo funcional vai requerer reeducação e uma profunda reforma.
O capitalismo não é "livre mercado". Os sistemas capitalistas funcionam menos bem sem proteção estatal aos investidores, credores e empresas contra monopólios, trapaças e fraudes. Esses sistemas podem causar desgaste social se não existirem subsídios que estimulem a inclusão de todos.
Por fim, um grande sistema de seguro social, com os impostos elevados, salários reais baixos e riqueza limitada, pode não prejudicar o capitalismo.
Em resumo, os sistemas capitalistas são um mecanismo por meio do qual as economias são capazes de gerar um crescimento no conhecimento, com muita incerteza no processo.
O crescimento do conhecimento leva ao crescimento da renda e à satisfação no emprego; a incerteza torna o mercado propenso a súbitas oscilações.
Todos esses fenômenos foram percebidos por Marx já em 1848. Mas a compreensão custou a chegar, no entanto.
A teoria inicial de Joseph Schumpeter propunha que o capitalismo aproveitava mais rápido as oportunidades e assim atingia produtividade muito maior, graças à sua cultura, ao zelo de empreendedores e à diligência de banqueiros.
Mas a ideia de banqueiros oniscientes e de empreendedores infalíveis é risível. Os estudiosos agora consideram que a maior parte do crescimento é propelido pelo conhecimento, e não pela ciência. A economia de Schumpeter -ou Adam Smith mais sociologia- pouco captura desse processo.
Friedrich Hayek ofereceu outra visão, nos anos 30. Qualquer economia moderna, capitalista ou dirigida pelo Estado é uma grande sopa de "know how" privado disperso. Ninguém, diz, nem mesmo uma agência estatal, seria capaz de acumular todo o conhecimento de cada participante. O Estado não teria ideia de onde investir.
Só o capitalismo resolve esse "problema do conhecimento".
Posteriormente, Hayek desenvolveu uma teoria que supunha que, graças às percepções especializadas que cada um adquire, um executivo ou trabalhador pode um dia "imaginar" uma inovação comercial que não poderia vir de pessoas exteriores à linha de trabalho.
Com isso, ele retrata um sistema capitalista funcional como uma organização de base ampla, criada de baixo para cima, que oferece oportunidades a diversas novas ideias.
Esse "procedimento de descoberta" torna o capitalismo muito mais inovador do que o socialismo ou o corporativismo, geridos de cima para baixo.
Estes últimos são burocráticos demais para aprender com ideias de escalões mais baixos.

Instituições
As economias capitalistas funcionais só podem crescer quando há instituições apropriadas. Era preciso que as empresas tivessem responsabilidade limitada e que um mercado existisse para que o controle delas pudesse ser adquirido.
Instituições rudimentares surgiriam no início do século 19, das leis societárias às Bolsas de Valores, passando por bancos controlados por acionistas.
Recompensas sem precedentes logo se seguiram na Europa e na América: novas cidades, um crescimento de produtividade ininterrupto, alta nos salários. As perspectivas de vida melhoraram para quase todos.
Menos mensurável, mas igualmente fundamental, número crescente de pessoas nas economias capitalistas passaram a ter carreiras envolventes e cheias de oportunidades.
Desde o começo, o lado negativo mais grave sempre foi o fato de que empreendimentos criativos causavam incerteza não só aos empresários mas também aos demais participantes da economia mundial.
Frank Knight, observando o capitalismo dos Estados Unidos em seu livro de 1921, afirmou que uma empresa, em todas as suas decisões exceto as mais rotineiras, enfrentava aquilo que hoje é conhecido como "incerteza knightiana".
Em uma economia inovadora, não existem precedentes suficientes para que seja possível calcular a probabilidade deste ou daquele desfecho. John Maynard Keynes insistiu, em 1936, na "precariedade" de boa parte do "conhecimento" utilizado para avaliar um investimento e na "fragilidade" das crenças dos investidores.
Jamais foi sugerida uma explicação moral coerente para abandonar um sistema que fornecia capacidade valiosa de inovação, pesquisa, solução de problemas, crescimento pessoal. Os socialistas e os corporativistas jamais ofereceram um modelo alternativo de boa vida. Simplesmente alegavam que o sistema por eles advogado seria capaz de superar o capitalismo: prosperidade mais ampla, ou mais empregos, ou mais satisfação no emprego.
Infelizmente, não existe uma compreensão ampla, da parte do público, quanto aos benefícios que podem ser justamente atribuídos ao capitalismo e quanto aos motivos para que esses benefícios acarretem custos. Essa falha intelectual deixou o capitalismo vulnerável a oponentes e à ignorância.
O capitalismo perdeu boa parte de seu prestígio no período entre as guerras mundiais, quando muitos países na Europa ocidental optaram por sistemas corporativistas. Por fim, as promessas de uma maior prosperidade com menos oscilações não foram cumpridas. Os países que mantiveram o capitalismo e promoveram reformas, algumas delas boas e outras provavelmente não, terminaram por voltar a apresentar um bom desempenho, até agora.
Os que se afastaram do capitalismo geraram menos inovação e mais desemprego.
Agora o capitalismo está atravessando sua segunda crise. Uma das explicações oferecidas é que banqueiros, não importa o quanto soubessem sobre o capitalismo, sabiam que, para manter seus empregos, tinham de captar mais e mais e emprestar mais e mais.
A implicação era que a crise derivou de uma falha na governança corporativa em termos de conter as bonificações e de uma falha na regulamentação em termos de conter a alavancagem do capital bancário.
Mas por que os grandes acionistas não agiram de maneira a impedir a alavancagem excessiva? Por que os legisladores não exigiram intervenção regulatória? A resposta, acredito, é que não tinham ideia de que fosse possível uma grande queda nos preços das casas; e tampouco estavam informados sobre a deficiência fundamental nos modelos de risco dos bancos.
Há muito de disfuncional nos Estados Unidos e no Reino Unido: um setor financeiro que se afastou do setor de negócios e em seguida se autodestruiu; e um setor de negócios prejudicado pelo imediatismo. Caso ainda contemos com nossos valores humanistas, tentaremos reestruturar esses setores de forma a fazer com que o capitalismo volte a funcionar bem.
Não fecharemos as portas a sistemas que ofereceram vidas recompensadoras a crescente número de pessoas.


EDMUND PHELPS é diretor do Centro de Capitalismo e Sociedade da Universidade Columbia e recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2006.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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