São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2004

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FÓRUM NACIONAL

Affonso Celso Pastore e Raul Velloso propõem elevar meta de superávit primário e manter Selic inalterada

Contra crise, economistas pedem mais aperto

JOSÉ ALAN DIAS
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

O Brasil enfrenta um choque externo e, se quiser atenuar os efeitos para a economia, deveria, no mínimo, manter inalterada a taxa básica de juros e promover um aumento na meta de superávit primário ou direcionar os ganhos de receita para incrementar o saldo da conta de superávit.
O diagnóstico, assim como o receituário a ser seguido, foi apresentado, com pequenas nuanças, pelos economistas Affonso Celso Pastore, professor da FGV-SP e ex-presidente do Banco Central, e Raul Velloso, especialista em contas públicas, ontem, no primeiro dia de debates do 16º Fórum Nacional Econômico, no Rio.
O choque a que Pastore e Velloso se referem decorre da iminência de um aumento de juros nos EUA, que diminuiu o fluxo de capitais para países emergentes como o Brasil, pressionando a taxa de câmbio (e parte da dívida atrelada ao dólar). Mas também decorreria do aumento da cotação do petróleo no mercado internacional -e por extensão da pressão para que a Petrobras "realinhe" os preços internos dos combustíveis, o que teria efeitos sobre outro indicador, a inflação.
"Numa circunstância como esta, com choque externo, um superávit primário de 4,25% não é suficiente [para manter a relação dívida/PIB estabilizada em torno de 58%]. Quanto precisa? 4,5%, 5%, 6%... As contas podem ser as mais variáveis", disse Pastore.
"O que se poderia fazer é pegar parte do aumento das receitas, e ele houve porque a carga tributária aumentou, e em vez de usar para gastos, complementar na meta de superávit", completou.
A preocupação se baseia no temor de que o governo, em conseqüência da deterioração do cenário externo, não consiga manter no atual nível a relação dívida/PIB (Produto Interno Bruto), um dos principais indicadores de vulnerabilidade da economia. O superávit primário é a economia que o governo faz para pagar juros.
Acontece que, no primeiro trimestre, mesmo com o governo conseguindo cumprir um superávit de 5,41% do PIB (acima da meta acordada com o FMI de 4,25%), o máximo que pôde fazer foi impedir que a relação dívida/PIB aumentasse. Isso se deve em parte à própria política monetária, que praticou juros altos no ano passado para conter a inflação -os juros também têm incidência direta sobre parte da dívida pública.
Para os dois economistas, não há alternativa que não a rigidez fiscal. "O governo tem emitido sinais dúbios sobre seu comprometimento com a política fiscal, como propor superávit anticíclico [diminuir o superávit em períodos de crise e compensá-lo com aumento em anos de maior tranqüilidade na economia], críticas de dentro do governo ao [ministro] Palocci. Não deveria ser assim", disse o ex-presidente do BC.
Segundo ele, uma vez que sociedade e investidores se convençam de que o compromisso com a austeridade fiscal "é mais firme que o atual, isso reduz os prêmios de risco [cobrados sobre os títulos brasileiros] e as taxas de juros mais longas, o que acelera o crescimento econômico e cria um círculo virtuoso em que a relação dívida/PIB cai mais depressa".
Mais radical, Velloso defendeu um aumento da meta de superávit primário em um ponto percentual. "Uma meta de superávit primário de 5,25% seria o ideal para lidar com a crise. Não digo cortar de uma vez, mas ao menos sinalizar o comprometimento."
Pastore argumentou que o BC não tem espaço para reduzir os juros, hoje em 16%. "Se comparar com a reunião passada, o espaço [do BC] hoje é muito menor. Na reunião passada, o dólar estava a R$ 2,90 e ninguém falava em subida de preço de petróleo. A menos que ele estejam vendo alguma coisa que eu não estou vendo, não há como reduzir [os juros]."
O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, que compareceu ao evento no período da tarde (já sem a presença de Pastore e Velloso) preferiu não polemizar. "Minha meta de superávit é outra", disse, em referência ao aumento das exportações.


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