São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2004

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LUÍS NASSIF

A revanche de Woodstock

Por seu aspecto meio pós-Woodstock, pela natureza libertária de seus integrantes, o software livre tende a ser visto como uma curiosidade, um movimento de sonhadores incapaz de superar o poder financeiro das grandes corporações. É mais que isso.
Vamos por partes para entender por que poderá vir a ser conhecido como a maior revolução gerencial da história.
Apenas no início dos anos 90 o Brasil descobriu a terceirização, a contratação de terceiros para desempenhar trabalhos não-essenciais da empresa. O início desse processo foi o modelo japonês de dividir as grandes corporações em unidades de negócio para melhor avaliar o desempenho de cada parte individualmente. Com as partes trabalhando de forma independente, mas coordenada, era fácil substituir um elo menos eficiente da corrente por fornecedores externos.
Avançou-se no modelo, e informática e logística permitiram que, nos anos 90, houvesse a implosão das cadeias produtivas das grandes multinacionais, que passaram a fabricar seus produtos com insumos adquiridos em várias partes do mundo.
Ao mesmo tempo, o avanço das modernas formas de gestão consagrava os modelos horizontalizados, com pessoas de vários departamentos interagindo em torno de um objetivo comum, sem relações de hierarquia formais entre elas.
A partir do exemplo italiano, o conceito do trabalho em rede chegou às pequenas e médias empresas. O terceiro setor também se beneficiou enormemente do modelo, quando experiências inovadoras foram encapsuladas, as ações, padronizadas, e foram criados indicadores e manuais, permitindo a sua reprodução, no modelo das franquias.
A radicalização do modelo se deu com as comunidades de software livre, a experiência que enterrou definitivamente o fordismo, somando as sementes libertárias de Woodstock aos avanços da engenharia de projetos para criar uma nova civilização.
Não é um trabalho hierarquizado. Seus fundamentos são a definição de um objetivo comum -no caso, o desenvolvimento de um sistema operacional ou de um aplicativo. Depois, um conjunto de protocolos e regras que devem ser seguidos para permitir a compatibilização dos módulos. Cria-se a comunidade sem hierarquia, sem comando, apenas articulando vontades. A comunidade tem acesso ao código-fonte inicial e pode trabalhar em cima, fazendo as implementações que bem desejar. A coordenação é dada pela necessidade de compatibilidade e por um administrador incumbido de analisar se cada módulo desenvolvido pode ou não ser agregado ao produto principal.
Não há limites para a criatividade, demole-se o mito de que a patente é ferramenta fundamental da inovação, junta-se o ambiente anárquico da inovação em torno da disciplina do padrão, democratiza-se o conhecimento, mas de uma forma tão profissional que pode se aplicar a qualquer ramo da produção, da música às artes.
No início de junho, ocorrerá o maior evento de software livre do mundo, em Porto Alegre. Administradores de todos os níveis, herdeiros de Woodstock ou engravatados de Harvard: fiquem de olho no encontro, porque é uma revolução irreversível rumo ao futuro.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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