São Paulo, terça, 19 de maio de 1998

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LUÍS NASSIF
A falácia dos "juristas"

Um dos grandes avanços do pensamento moderno é a visão multidisciplinar (holística), a integração de vários conhecimentos para um melhor diagnóstico do problema.
Não se trata mais de uma tendência restrita à física (onde começou) ou à medicina (onde tem obtido avanços importantes). Os modernos métodos gerenciais incorporam essa visão, impedindo que uma empresa seja conduzida apenas segundo a ótica do financeiro, ou da produção.
Sistema que mais influencia a vida dos brasileiros, a política econômica continua sendo conduzida pela ótica dos especialistas, sem a presença de um maestro que possa compatibilizar as várias visões e estabelecer os objetivos a serem alcançados.
Prova disso é a dependência da política econômica de dois tipos de especialistas: o "jurista' (defensor da política monetária como centro de toda política econômica) e do "fiscalista' (que considera a arrecadação fiscal como objetivo maior de toda política tributária).
Por influir em todos os aspectos da vida nacional, a política monetária deveria ser analisada de uma ótica interdisciplinar, com vários especialistas de diversas áreas analisando suas consequências sobre a economia como um todo.
Duas visões
É significativa desse estilo especialista a entrevista do diretor do Banco Central, Francisco Lopes -principal guardião da política monetária-, à repórter Suely Caldas, no "O Estado de S.Paulo" deste domingo. Lopes é um intelectual honesto, um homem público de respeito, que não foge das discussões.
Ele ressalva que os efeitos dos juros altos não são tão perniciosos assim porque estão fora do torniquete:
a) as empresas com acesso a financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);
b) as empresas com acesso a capital externo; e
c) as empresas com folga de caixa (que podem aplicar suas sobras).
Nos três casos, grandes empresas ou altamente capitalizadas.
Depois, minimiza os efeitos sobre o emprego. Juros altos reduzem a atividade econômica, mas o desemprego é fruto da reestruturação da economia.
Um dos elementos centrais na competitividade é o crédito. Se a política monetária beneficia amplamente a grande empresa (intensiva em capital) em detrimento da pequena (intensiva em emprego) como pretender que ela seja neutra em relação ao nível de emprego?
Dívida e privatização
A segunda jóia produzida por Francisco Lopes é em relação à dívida interna. Se os juros afetam a dívida e o déficit público, e ambos afetam a credibilidade do país, os juros altos não seriam contraproducentes?
Lopes foge à pergunta com os seguintes argumentos:
1) A dívida interna diminuiu muito de 1990 para cá, graças à privatização;
2) A dívida interna brasileira é pequena, como proporção do PIB, em relação à de outros países.
Ora, de 1990 para cá o que levou à redução da dívida interna foi o confisco de cruzados e o IOF geral aplicados pelo plano Collor.
De 1994 para cá ocorreu um aumento exponencial da dívida em função da política de juros adotada. Toda a privatização não será capaz de cobrir metade do aumento da dívida interna de 1995 para cá.
Uma coisa é uma dívida rolada a 5% ao ano; outra, uma dívida rolada a 20% a 30% ao ano. Na análise da dívida importam a tendência de crescimento da dívida (crescente), e o custo de rolagem da dívida (absurdo).
Finalmente faltou explicar que o maior componente dos juros altos é a necessidade de o país produzir uma desvalorização cambial gradativa de 7% a 8% ao ano.
Telebrás e tecnologia
O diretor-superintendente da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), Renato Guerreiro, esclarece que a imprensa em geral -e esta coluna, em particular- interpretou de maneira incorreta a recente decisão de eliminar a obrigatoriedade da aquisição de 10% de equipamentos nacionais por parte das empresas privatizadas.
Pela redação anterior, mantidas as mesmas condições de preço CIF (em território nacional) e de qualidade, a empresa deveria adquirir 10% de equipamento nacional. Em vez de piso, esse percentual funcionava como teto.
Com a nova redação, em igualdade de condições passa a ser obrigatória a compra de equipamentos nacionais em qualquer percentual.

E-mail: lnassif@uol.com.br



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