São Paulo, terça, 19 de maio de 1998

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ARTIGO
2005, uma odisséia na educação

JOHN EDWIN MEIN

Uma transformação profunda e radical no sistema educacional no país pode e precisa acontecer. O século 21 já está chegando às nossas portas, e é preciso criar as condições para que o Brasil nele ingresse preparado para enfrentar e superar seus desafios.
O envolvimento do setor privado no sistema público de educação já está acontecendo. Há várias modalidades de participação. No limite, algumas empresas assumem integralmente o desfio. É um caso extremo.
Mas há também formas combinadas, em que o Estado não abre mão de suas responsabilidades e a comunidade passa a exercer um papel de cobrança e fiscalização muito maior. Está amplamente documentado: quanto maior o envolvimento da sociedade (o que inclui empresas) no processo educacional, maior a sua eficiência e maior a responsabilidade das próprias crianças.
Os grandes desafios geralmente são considerados itens para uma agenda de longo prazo no Brasil. Está na hora de mudar essa atitude e definir metas para prazos menores. Veja-se o exemplo da Alca. A agenda da integração acaba de consagrar, na Cúpula de Santiago, a educação como um dos seus temas centrais.
Há equívocos possíveis a partir daí. O primeiro é encarar a questão educacional como uma espécie de remendo na agenda, em virtude do impasse que cerca a liberalização comercial enquanto o governo dos EUA não obtém o "fast track". O segundo é tratar a educação como um tema restrito aos especialistas e, portanto, passar a encarar as iniciativas no setor no máximo com aquela simpatia distante de quem acha tudo isso bonito, mas utópico.
Ora, deve-se, ao contrário, assumir a educação como um assunto que afeta as empresas diretamente. Deve-se tratar a agenda educacional como outro item da agenda da integração: com metas, cronogramas e definição concreta de grupos de trabalho envolvendo governo e iniciativa privada.
Quem seria capaz de alinhavar um punhado de metas educacionais se questionado repentinamente? Duvido que os empresários em geral tenham a mesma intimidade com os problemas educacionais mais específicos que demonstram quando se trata de discutir a tarifa de importação no seu setor ou os impactos das taxas de juros sobre suas decisões de investimento.
Isso é óbvio. O que não é óbvio é que uma mudança radical pode ser produzida nesse tipo de atitude. Afinal, os horizontes do investimento e a capacidade de enfrentar tarifas de importação mais reduzidas dependem da qualidade dos recursos humanos envolvidos nos processos de produção.
Qual o nível salarial dos professores e de custo por aluno que deve ser definido e cobrado como meta no sistema educacional brasileiro? Quais as formas mais eficientes de reduzir a violência e a depredação das escolas? Onde estamos em termos de erradicação do analfabetismo? Que procedimentos de avaliação periódicas de alunos e professores devem ser implementados? Quais as prioridades na informatização da educação? Que novos recursos de ensino à distância podem ser utilizados? Como utilizar a educação como fator de integração no Mercosul e nas Américas?
Que novas formas de cooperação com os centros de pesquisa de nível superior podem ser estabelecidas pelo setor privado? Como maximizar as parcerias entre setor privado e governos municipais e estaduais na educação? Que alternativas de financiamento às escolas e aos alunos podem ser propostas?
Como garantir eficiência no sistema de distribuição de material didático? Como aliar o processo educacional a melhoras no perfil de alimentação e saúde das crianças? Essa é uma lista de tópicos cujo tratamento é, em geral, precário no Brasil.
O governo federal tem anunciado várias iniciativas importantes na área de educação. Mas já se tornou evidente que, em políticas sociais, mais importante que a disponibilidade de recursos (que em muitos casos existem e seriam, em tese, suficientes) é a eficiência de sua distribuição e aplicação.
Um passo adicional é a própria descentralização das políticas sociais. A experiência recente revela que o envolvimento de governadores e prefeitos não é trivial, pois, além da vontade política, é necessário superar obstáculos burocráticos de toda ordem.
Não basta descentralizar. É fundamental que o setor privado esteja envolvido na mudança educacional como se tratasse de participar de grupos de discussão de cronogramas de redução de tarifas de importação.
A Câmara Americana de Comércio São Paulo vem assumindo um papel cada vez mais efetivo na educação, por meio do IQE (Instituto Qualidade no Ensino). A Alca é um desafio educacional, e 2005 está aí. O grau de avanço nas questões econômicas da agenda da integração, a partir do século 21, dependerá do grau de maturidade e qualidade de nossos sistemas sociais.
No campo da pedagogia, é conhecida a proposta construtivista: o sujeito constrói ativamente o objeto do conhecimento. O mesmo princípio deve ser aplicado à política educacional como um todo. O sistema que funciona é aquele cuja construção envolve ativamente os seus sujeitos.
Não se trata simplesmente de construir salas de aula. É preciso entrar no mérito, nos conteúdos. É preciso criar sistemas de avaliação e garantir que as famílias e as empresas sejam parte do processo de avaliação e melhora da qualidade do ensino no país, pois toda forma de saber faz-se socialmente.
Quem sabe, que faça agora e não espere acontecer.


John Edwin Mein, 51, mestre em administração de empresas pela American Graduate School of International Management, é presidente da Câmara Americana de Comércio/São Paulo.



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