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EFEITO CURUPIRA
Corrupção no Ibama encarecia atividade, dizem madeireiros
Intervenção da PF paralisa
economia de municípios
DO ENVIADO A MATO GROSSO
No escritório do Ibama em Aripuanã, extremo noroeste de Mato
Grosso, um funcionário joga paciência no computador enquanto
aguarda. Eldinaldo Nunes de
Souza, o Baiano, é um dos três
únicos fiscais que sobraram no local após o afastamento do chefe
do posto, Paulo Salazar, e mais
cinco suspeitos de integrarem a
máfia da madeira na região.
O que Baiano aguarda são reforços. O posto acaba de ganhar uma
picape nova, mas não tem gente
para ir a campo fazer fiscalização
e atender o público. O efetivo é tão
pequeno que eles nem conseguiram aderir à greve do Ibama, iniciada na segunda-feira. Paciência.
Apesar disso, Baiano está tranqüilo. A Operação Curupira, que
resultou na suspensão de todas as
concessões de ATPF (Autorizações para Transporte de Produtos
Florestais), arrefeceu boa parte do
movimento de madeira em Aripuanã e dos municípios vizinhos
de Colniza, Juína, Castanheira,
Rondolândia e Cotriguaçu, que
vivem da atividade.
Segundo os madeireiros, 80%
do setor está parado. Caminhões
estão encostados. Contratos foram suspensos. Os hotéis da cidade, normalmente apinhados em
junho, estão vazios.
Na avenida em frente ao escritório, passa uma picape americana
Savannah, modelo novo. Dentro,
a família de uma das lideranças
dos índios cintas-largas, que enriquecem vendendo a madeira de
lei de suas terras. Os índios estão
irritados. Embora o dinheiro da
madeira só chegue para alguns
chefes -e a população passe fome-, as estradas que os madeireiros constroem e mantêm dentro da reserva são fundamentais
para o transporte de gente e comida das aldeias para a cidade na
época das chuvas. Sem elas, os
cintas-largas "sem picape" ficam
isolados. "Vai morrer um monte", resigna-se um funcionário do
hospital indígena local.
A madeira que traz a bonança
também é a tragédia da região.
Aripuanã foi o município da
Amazônia que mais desmatou em
2003-2004, segundo o governo federal. A exploração predatória,
somada à grilagem de terras para
a venda de madeira, levou embora 1.041 km2 de florestas dali.
Os madeireiros culpam o governo. "Tive de queimar 10 mil hectares sem nem explorar toda a madeira porque a Fema diz que o
desmate tem de ser feito num ano
só", queixa-se o catarinense Nervílio Polles, o Gringo.
Polles foi um dos cem madeireiros -ou "empresários do ramo
florestal", como preferem ser chamados- que se reuniram com
mais cinco prefeitos na noite da
última quarta-feira em Colniza,
120 km a norte de Aripuanã, para
pedir ao interventor do Ibama,
Elielson Ayres, que libere ATPFs
para os madeireiros que "estão legais". Sem elas, não podem transportar a madeira para vender.
Cidade grilada
O cenário da reunião é simbólico da ilegalidade que assombra o
setor: Colniza, ponta mato-grossense do "arco da grilagem", é um
município nascido de uma invasão de terras. A área, pertencente
a uma empresa colonizadora, foi
ocupada no início da década de
1980 por posseiros expulsos das
terras -também invadidas-
dos índios zorós.
O município, emancipado há
cinco anos, não tem escritura
nem da sede. "Eu costumo brincar que Colniza não tem CPF", diz
o prefeito Sérgio Bastos dos Santos, o Serjão (PMDB), um madeireiro que mora -literalmente-
no pátio de sua serraria.
Não há asfalto na cidade. E Santos estima que três quartos dos
habitantes de Colniza (12 mil pelas contas do IBGE, 42 mil segundo ele) sejam posseiros indocumentados vindos de Rondônia.
Apesar de revoltados com a suspensão das ATPFs, os madeireiros do noroeste de Mato Grosso
se dizem satisfeitos com a intervenção no Ibama. Explica-se: segundo eles, o esquema de propina
no Ibama estava encarecendo a
atividade na região e empurrando
o setor para a ilegalidade.
"Tinha de molhar a mão do
peão. Eram R$ 10 mil por vistoria", diz Polles, que afirma ter sido
chantageado pelos fiscais para pagar uma propina de R$ 50 mil de
uma vez, mais uma multa de R$
18 mil. "Ameacei denunciar ao
Ministério Público, aí eles me deram uma multa de R$ 500 mil."
Além disso, ATPFs só eram distribuídas para as empresas que faziam parte do esquema de Salazar
e Hugo Werle. "Para mim, é uma;
para quem está no esquema, são
500", disse Paulo Roberto Perfeito, do Sindicato das Indústrias
Madeireiras do Noroeste de Mato
Grosso, que reúne 200 empresas.
A corrupção, segundo eles, era
"escancarada", generalizada e vinha de antes da gestão de Salazar.
Cerca de 15 madeireiros que falaram à Folha no gabinete do prefeito de Colniza -numa reunião
à qual também estava presente
Hilton Campos, prefeito de Juína- confirmaram ter pago propina regularmente ao Ibama. O
achaque muitas vezes era dividido entre os funcionários do órgão
e os engenheiros florestais contratados pelos madeireiros para fazer projetos de manejo.
Apesar de otimistas com a intervenção, eles não acreditam que a
fraude vá acabar com as demissões no Ibama. "Daqui a seis meses, esse povo todo está trabalhando na Fema", calcula Polles.
(CLAUDIO ANGELO)
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