São Paulo, domingo, 19 de junho de 2005

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ENTREVISTA

Aswath Damodaran, da Universidade de Nova York, vê risco no mercado imobiliário e diz que o Brasil errou ao mirar AL

Analista prevê nova bolha em seis meses

MARIA CRISTINA FRIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma nova bolha pode estourar nos EUA, e isso pode ocorrer nos próximos seis meses. A opinião é de Aswath Damodaran, 45, professor da Universidade de Nova York. Considerado por analistas o papa da área de avaliação de investimentos, Damodaran diz que pessoas esquecem muito rápido o que passaram, mas que, desta vez, o estrago não será tão grande. "Uma bolha como a de 99 você vê uma vez na vida. A próxima deverá ser menor e num setor menor."
Com relação ao Brasil, o professor, que já deu consultoria a uma estatal e três bancos, diz que o mundo tende a passar a ver menos o risco-país e mais a qualidade da administração das empresas. "As companhias vão ter de deixar de se esconder atrás das cortinas do risco-país."
Mas diz diz que há empresas nacionais bem administradas, comparáveis a companhias internacionais. Quando a comparação é com China e Índia, Damodaran diz que o Brasil limitou-se muito ao focar relações comerciais na América Latina.
Em 2000, quando o mercado sobrevalorizava ações de uma companhia de tecnologia, Damodaran sustentou que os papéis valiam pouco mais da metade do preço que investidores estavam pagando por eles. O tempo mostrou que a avaliação de Damodaran estava correta. O professor usara o método do fluxo de caixa descontado. A partir da taxa de crescimento e margens de lucro, o modelo projeta o resultado que a companhia pode gerar no futuro e, a uma taxa de desconto, estima o valor presente do investimento. O método é usado desde a análise de grandes fusões até a estimativa do valor de um restaurante. A seguir, trechos da entrevista, concedida na semana passada, em passagem por São Paulo, para apresentar um seminário, a convite da Alliance e da Economática.
 

Folha - Que informação o sr. tinha em 2000, e outros analistas, não, para concluir que algumas ações de tecnologia estavam sobrevalorizadas, contra o que dizia o mercado?
Aswath Damodaran -
O problema em comparar uma ação com outras é que, se todo o setor estiver sobrevalorizado, você não perceberá que o mercado está cometendo um grande erro. A vantagem do modelo é que não importa o valor que o mercado dá, e sim o que você ganha quando compra a ação.

Folha - Alguns setores da economia brasileira têm poucas empresas. Como compará-las?
Damodaran -
Pense quem são os competidores de Embraer: Bombardier, Boeing. Não vejo por que uma companhia brasileira de bebidas ou uma empresa venezuelana não possa ser comparada com a Coca-Cola. Estão todas tentando crescer juntas.

Folha - Como o senhor vê críticas no fato de o modelo focar o longo prazo?
Damodaran -
Ao comprar uma ação de empresa com alto potencial de crescimento, você aposta no futuro. Antes de oito, dez anos, você provavelmente não sabe se o que estima para a companhia realmente se torna verdade.

Folha - Como o senhor avalia o mercado brasileiro?
Damodaran -
Eu acho que o mercado brasileiro sempre gira em torno do risco-país. Quando está alto, o mercado desaba. Quando o risco cai, o mercado vai bem. Você pode ser uma empresa brasileira muito boa, que pode ir bem por seis meses. Mas, se o Brasil tem seis meses ruins, você é punido, preços oscilam conforme o mundo vê o Brasil. Como o risco tem subido nos últimos dois anos, o foco se deslocará do país para a empresa. Companhias bem administradas farão melhor em mostrar ao mundo sua boa administração. E, mal administradas, vão ter que sair detrás da cortina. Por muito tempo, foram capazes de se esconder atrás dessas cortinas do risco-país. Eles não olham para nós com um risco diferente. Não é minha culpa. É do país. Companhias que não são sérias vão se ver punidas pelo mercado.

Folha - Há ações ou setores sub ou sobrevalorizados no Brasil?
Damodaran -
É difícil dizer. Nos últimos dois anos, houve mudanças. O real ficou mais forte. Companhias que foram recompensadas agora estão sendo punidas. E companhias que foram punidas dois anos atrás por causa do real estão sendo recompensadas agora porque o real valorizou-se.

Folha - E nos Estados Unidos?
Damodaran -
Vejo um perigo: as pessoas esquecem muito facilmente. Dizem: "Nunca mais vou fazer isso de novo, investir em empresas pontocom", mas esquecem. A próxima bolha nunca parece ser a próxima. E nunca se parece com a que passou. Minha suposição é que há uma bolha no mercado americano. Pode ser no mercado imobiliário. Parte do problema é que os juros estão tão baixos nos EUA, e as pessoas estão fazendo coisas estúpidas: "hedge funds" [fundos agressivos] tomando emprestado a 3%, investindo em aplicações arriscadas e lucrando 5%, 6%. Mas, se os juros vão para 6%, isso vai ser varrido. Compram uma casa que eles não podem pagar. Eu posso vender a casa para alguém mais por 20% mais. Conforme as taxas de juros subirem para 7%, você verá o estouro de uma bolha. Uma bolha como a de 99 você só vê uma vez. Essa vai ser uma bolha muito menor, num setor menor.

Folha - Pode ser no curto prazo?
Damodaran -
É difícil dizer, pode ser nos próximos seis meses. Alan Greenspan [presidente do Fed, o BC dos EUA] está tentando suavizar a alta dos juros. Então, não vai fazer repentinamente o ajuste.

Folha - Como vai o Brasil em relação à Índia e à China?
Damodaran -
Dez anos atrás, o Brasil tinha saído na frente em relação a eles. Uma das tragédias nos últimos dez anos é que eu acho que o Brasil e outros emergentes ficaram onde estavam enquanto outros mercados, especialmente China e Índia, cresceram por serem alvos de investimentos. É interessante ter uma população grande como mercado. E China e Índia têm essa vantagem. O desafio para emergentes é criar nichos para eles mesmos. Nos últimos dez anos, onde o Brasil fez negócios? Concentraram-se na América Latina. O Brasil é um grande celeiro, o maior mercado da América Latina, mas você pode pôr duas ou três vezes a América Latina na China. Então, precisa ver suas vantagens comparativas. É tecnologia?É capital humano? Recursos naturais? E tentar usar para atrair investimento e mostrar a investidores que não precisam sair da China, mas que precisam ter algum dinheiro no Brasil porque Brasil também tem vantagens comparativas.


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