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OPINIÃO ECONÔMICA
Crédito negado
JOÃO SAYAD
A economia cresce 3,5%,
4%? Crescerá neste ano, o
ano que vem e o outro? O emprego está aumentando? O que é verdade e o que é uma sensação exagerada de bem-estar depois da
crise?
Impossível saber, não se pode
confiar nos críticos nem nos áulicos. Só uma coisa é certa: a recuperação da economia permite
que o Banco Central não abaixe
os juros neste ano.
Vamos até o o fim do ano com
juros reais de 10%, que serão pagos com mais dívida pública e
mais aperto fiscal.
Para os usuários dos serviços do
setor público, principalmente os
pobres, a notícia é ruim. Transportes públicos, saúde e educação
continuarão precários e como um
obstáculo para o crescimento.
Para o mercado financeiro, estamos cevando uma dívida impagável que no ano que vem ou no
próximo criará instabilidade, elevação da taxa cambial e crise.
Quando a taxa de juros é excessivamente alta, o empresário sentado à frente da mesa do gerente
do banco parece um sujeito de
má-fé. O gerente ouve o pedido de
empréstimo, pede informações
cadastrais, o último balanço, é
simpático, mas sabe que ninguém
é capaz de pagar taxas de juros de
16% ao ano.
O empresário preenche o formulário, na semana que vem a
diretoria resolve. O pedido é negado. O gerente bota a culpa na
diretoria. Depois, longe dos olhos
aflitos do cliente, respira aliviado.
A diretoria tem razão.
Os juros são excessivamente altos quando são maiores que a taxa de crescimento da economia
(3,5%) mais 60% da inflação esperada (4%). É possível pagar
7,5% de juros. Pagar 16% mais o
"spread" do banco é impossível. O
gerente compreende a aflição do
cliente, mas não pode atender ao
pedido.
Com juros de 16% ao ano, não
adianta pedir para os bancos emprestarem. Os bancos estão certos,
não devem emprestar para ninguém a não ser para o governo.Têm de proteger os depósitos
dos seus clientes.
Dinheiro é crédito, um contrato
entre duas partes: o padeiro promete pagar ao moinho de trigo
R$ 100 por um saco de farinha daqui a um mês. Dinheiro não é um
pedaço de papel ou uma grama
de ouro. É criado por meio de
operações de crédito entre duas
partes, o tomador do empréstimo
e o credor.
Parece óbvio, mas não é. Desde
1844, economistas discutem se o
dinheiro é crédito ou uma coisa
com existência física e sensorial e
que tivesse valor por si só, como o
ouro ou um pedaço de papel ornamentado. Ganharam os defensores da idéia de que o dinheiro
era ouro.
A afirmação -dinheiro é crédito- é profana para metade dos
economistas. Atualmente, é mais
fácil ver que dinheiro é crédito.
Temos cartões de crédito, de débito, bilhetes eletrônicos e até máquinas de vender Coca-Cola ou
balas que aceitam sinais transmitidos por seu celular como pagamento.
O diretor da Casa da Moeda é
apenas um especialista em logística e em papel não falsificável.
Não conhece nem fala com o presidente do Banco Central, a não
ser para pedir a assinatura que
ornamenta o papel moeda.
As empresas brasileiras que exportam podem tomar empréstimo em dólares, créditos de exportação e importação. Estão protegidas contra desvalorizações
cambiais, e crédito para elas é o
dólar. A taxa de juros em dólar é
7% ou 8% para empréstimos de
longo prazo. A desvalorização
cambial não precisa ser considerada, pois, se ocorrer, os seus preços também aumentarão.
Se dinheiro é crédito e só existe
crédito em dólares, a política de
juros excessivamente altos do país
dolariza a economia, disfarçadamente. Só exportadores podem
comprar matérias-primas a crédito, vender e receber a prazo.
Resultado: as exportações brasileiras crescem e os setores que
produzem para o mercado interno não crescem, pois falta crédito
ou dinheiro. As empresas multinacionais têm a vantagem adicional sobre as nacionais, as empresas exportadoras e importadoras, sobre as empresas voltadas
para o mercado interno. (O Cade
independente deveria convocar o
Banco Central independente, que
está impedindo a concorrência
entre as empresas).
As empresas menores, nacionais ou dedicadas ao mercado interno não crescem, ou crescem
muito devagar, apesar das manchetes dos jornais.
Nos anos 30, a Bélgica desvalorizou a taxa cambial, desobedecendo a regra do padrão ouro e
passou a exportar mais. Acumulou reservas, e com as reservas reduziu as taxas de juros internos e
expandiu o crédito interno. Saiu
rapidamente da crise. Outros países desvalorizaram, mas mantiveram a política de crédito apertada. O desemprego perdurou por
muitos anos.
O Brasil adota a política errada.
Mantém juros elevados, sufoca os
setores não exportadores, o setor
público, e ameaça a estabilidade
com uma dívida interna impagável.
A inflação em reais é baixa.
Mas o real é um dinheiro cada vez
menos importante. O dinheiro
brasileiro passa a ser o dólar, o
único dinheiro que tem taxas de
juros razoáveis. Se a taxa de câmbio subir, por qualquer crise internacional, a inflação em reais
volta, mas o real é um dinheiro irrelevante -serve apenas aos pequenos e as empresas dedicadas
ao mercado interno.
Se o país fosse um cliente de
banco, agora, o gerente perguntaria: "Em que sentido o negócio é
sustentável?".
João Sayad, 57, economista, é professor
da Faculdade de Economia e Administração da USP. Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - jsayad@attglobal.net
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