São Paulo, segunda-feira, 19 de julho de 2004

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BLINDAGEM FINANCEIRA

Até economias mais liberais, como os EUA e o Reino Unido, usam mecanismos de regulamentação

Apenas 10 países não têm controle de capital

NEY HAYASHI DA CRUZ
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Dos 186 países membros do Fundo Monetário Internacional, somente dez não adotam nenhum tipo de controle de capitais, segundo levantamento feito pelo próprio FMI. Até mesmo Estados Unidos e Reino Unido contam com regulamentação sobre entrada ou saída de recursos.
A utilização de mecanismos para limitar o movimento de capitais no Brasil voltou à pauta, no momento em que o Plano Real completa dez anos.
O FMI define como controle de capitais todos os instrumentos que resultem em limitações para que investidores estrangeiros apliquem seus recursos no país. Exemplos: exigência de autorização prévia para ingresso de capitais, impostos sobre recursos financeiros, taxas de câmbio diferenciadas para investidores nacionais e estrangeiros e limites para remeter dinheiro ao exterior.
O levantamento feito pelo FMI, com dados de 2002, não chega a avaliar a extensão e a eficácia que o controle de capitais tem em cada país. Mas mostra que a grande maioria dos governos adota algum tipo de regulação nessa área.
Apesar de alguns economistas defenderem uma maior liberalização, a existência de limites para o fluxo de capitais pelo mundo é defendida pelo FMI: o artigo 6º de seu estatuto diz que os países "podem impor os controles necessários para regular os movimentos internacionais de capitais".
O documento dá ao FMI o direito de "requisitar a um país membro que exerça esse controle para prevenir" fuga de capitais em momentos de crise. Aquele que não obedecer pode ser impedido de "utilizar os recursos do Fundo".
Em artigo publicado recentemente, o economista Persio Arida, um dos mentores do Plano Real, defendeu a extinção desses controles, levando a um regime de plena conversibilidade da moeda que consolidaria a estabilização macroeconômica. "O tripé hoje vigente de políticas (superávit fiscal primário expressivo -economia de receitas para o pagamento de juros da dívida pública-, taxa de juros norteada pela meta inflacionária e câmbio flutuante) deveria ser aprofundado através de um programa pré-anunciado e gradual de erradicação dos controles no mercado de câmbio", escreveu Arida.
No Brasil, são citados pelo FMI como exemplos de instrumentos de controle de capitais "as restrições legais para participação [de empresas estrangeiras] em setores da economia" e a "proibição de realização de operações domésticas em moeda estrangeira".

Distorções
Há uma linha do pensamento econômico que sustenta a tese de que, em certos casos, controles de capital podem ser úteis para corrigir distorções no mercado.
Há poucos anos foi redescoberta a "Teoria Geral do Segundo Ótimo", elaborada em meados do século passado pelos economistas Kelvin Lancaster e Richard Lipsey e que tem, entre seus defensores, nomes de peso como os professores Paul Krugman (Universidade Princeton), Joseph Stiglitz (prêmio Nobel de Economia) e Dani Rodrik (Harvard).
O corolário desenvolvido por Lancaster e Lipsey parte do seguinte princípio: "na presença de uma distorção que não pode ser removida, introduzir uma segunda distorção pode ser uma boa política econômica".
Na crise do Sudeste da Ásia, em 1997-1998, Coréia do Sul, Tailândia e Indonésia recorreram ao FMI para enfrentar as turbulências financeiras: adotaram regimes de câmbio flutuante, aumentaram os juros e se comprometeram a realizar ajustes fiscais, exatamente como fez o Brasil após a crise do real, em janeiro de 1999.
No caminho oposto de seus pares, a Malásia adotou suas próprias receitas, o que incluiu a implantação de controles rígidos para a saída de capitais, redução dos juros e aumento dos gastos públicos. Segundo Dani Rodrik, a Malásia cresceu e se recuperou mais rapidamente do que os que seguiram o receituário do FMI.
No caso do Brasil, a "distorção" a que se referem Lancaster e Lipsey poderia ser a introdução de uma quarentena ou um tipo de pedágio para o capital que entra no país, de modo a desvincular a taxa de juros do mercado doméstico da taxa de risco-país (juros cobrados acima da taxa dos títulos do Tesouro americano). Isso permitiria uma redução mais rápida dos juros internos.
Devido à grande mobilidade do capital internacional, historicamente os juros internos da economia brasileira seguiram de perto o risco-país. O problema dessa conexão estreita é que o risco-país costuma impedir a queda da taxa básica de juros a partir de determinado limite, como já ocorreu diversas vezes no passado.
Para um investidor que compra um título do Tesouro Nacional ou um papel da dívida externa brasileira, o risco é o mesmo. Assim, ele transfere a aplicação de um para o outro de acordo com a maior taxa. É a chamada arbitragem.
Se o Banco Central tenta cortar a taxa básica de juros (Selic) muito abaixo do risco-país, os investidores migram para os papéis da dívida externa. Assim, para aceitar comprar títulos do Tesouro internamente, exigem taxas maiores, próximas às dos títulos da dívida externa. Um pedágio e a quarentena acabariam com a facilidade de arbitragem.


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