São Paulo, quarta-feira, 19 de julho de 2006

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PAULO RABELLO DE CASTRO

Berzé e o Outro Mundo

Tal como no distante passado, não existe paralelo ao conservadorismo das nossas atuais lideranças

O BRASIL está virando tema de estudo no exterior. Comenta-se, cada vez mais, sobre a dificuldade de certos países em exibir o ritmo de crescimento que lhes seria "natural". Por que razão teria o Brasil perdido o seu ritmo histórico de crescimento, da ordem de quase 7% ao ano, até a década de 70 do século 20, caindo ao nível de 2,5%, na última década?
Qual a taxa "natural" de crescimento do Brasil, a de 2%, como nos anos recentes, ou 4% a 5%, como prometem, para o futuro próximo, os candidatos a presidente? A questão da falta de vigor da economia brasileira passou a interessar também a pesquisadores acadêmicos, como Dani Rodrik, da Universidade Harvard, que investiga estratégias vencedoras para o impulso de crescer ("Growth Strategies", www.ksg.harvard.edu/rodrik). Enquanto alguns países têm surpreendido para melhor -ou seja, crescendo a um ritmo superior àquele que seria sua taxa "natural"-, outros, entretanto, como o Brasil, arrastam-se a taxas muito inferiores à "esperada".
Óbvio que essa questão nos interessa a fundo, pois é em época de eleições que sofremos a angústia da má escolha, entre as várias opções de "mundo cor-de-rosa" que os candidatos nos oferecem como proposta. Quem sabe alguma dessas promessas nos conseguisse tirar do atoleiro que prende as rodas do nosso crescimento? Mas qual delas?
Dani Rodrik foi fundo na pesquisa das estratégias vencedoras. No ambiente acadêmico e do mercado financeiro, cobra-se muito, por exemplo, a ausência de certas reformas estruturais para devolver o crescimento acelerado a países como o Brasil. Ninguém duvida da necessidade de o país levar a sério a reforma da sua tributação e da Previdência Social e, ainda, da sua política de juros e dos seus programas sociais perdulários. Contudo também sabemos, como mostram as tabelas de crescimento histórico de países do prof. Rodrik, que nenhum deles precisou aprovar primeiro todas as reformas econômicas possíveis, tampouco atingir o estágio ideal de confiança nas instituições para impulsionar o crescimento a níveis extraordinários.
A resposta não estaria em qualquer das reformas em si, mas numa certa disposição precedente aos programas de governo, que ele- vasse o grau de "sintonia" entre as mensagens das lideranças políti- cas e a percepção de rumo e de caminho, por parte da massa da população. Essa mesma conjectura guarda conexão histórica, a mim sugerida por um artista plástico -dos bons que temos-, o Berzé, enquanto ouvia sua ponderação sobre o possível vínculo do passado com o futuro, na pacata vila de "Bichinho", nos arredores da histórica Tiradentes (MG). O "enigma de Berzé" seria mais ou menos este: por que prevaleceu a repressão do governo daquela época sobre o movimento libertário dos inconfidentes mineiros, quando a sociedade de então (fim do século 18) tinha tudo a ganhar com a separação da tutela lusitana? Os norte-americanos, pouco antes, haviam conduzido um embate vitorioso contra a tutela britânica, liderado por um patrício da elite: George Washington. Mas nós, aqui, assistimos petrificados ao esquartejamento de Tiradentes pelo governo da Metrópole... Tal como no distante passado, não existe paralelo ao conservadorismo das nossas atuais lideranças. Desapareceu até a suposta diferença entre um governo de direita ou de esquerda no Brasil. A repressão de outrora ainda seria a mesma de agora, do mesmo DNA, debaixo do subterfúgio do sufrágio democrático. Neste "outro mundo", o mundo velho que adotamos no Brasil, os valores estão subvertidos porque a sociedade trabalha, sobretudo, para financiar a máquina do governo, que, em seguida, redistribui suas "bondades" às massas subjugadas pelos impostos.
Nesse nosso "outro mundo", questionado por Berzé, tão parecido com a opulência repressora das Minas Gerais do século 18, o Brasil libertário continua cedendo seu impulso vital para a influência da estagnação consentida.


PAULO RABELLO DE CASTRO , 57, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
@ - rabellodecastro uol.com.br


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