São Paulo, sábado, 19 de julho de 2008

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ROBERTO RODRIGUES

Ambição e resultado


A OMC é feita de negociadores que são pessoas, com paixões que qualquer um tem; e isso também influi nas decisões

MAIS DE 30 países estarão representados no grande esforço que o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy, está propondo para fechar com algum êxito a Rodada Doha.
Analistas asseguram que uma abertura significativa pode levar a um aumento de US$ 50 bilhões por ano no comércio mundial. É um número muito expressivo e pode contribuir de forma decisiva para o desenvolvimento de países emergentes, inclusive no combate à inflação de alimentos, uma vez que a produção agrícola cresceria nesses países, aumentando a oferta de comida.
Por outro lado, um fracasso nessa tentativa pode piorar ainda mais a imagem das grandes instituições multilaterais, já um tanto desgastadas. Os apelos da FAO pela redução dos subnutridos não são respeitados, e poucos países criam políticas adequadas nessa direção; a recente reunião do G8 ampliada pelo Bric foi muito mais um encontro de colegas que uma tomada de posição sobre as grandes questões globais; e a polêmica em torno das mudanças climáticas e da segurança alimentar, que acontecerá no ano que vem, pode ser prejudicada se não houver sucesso em Doha.
Portanto, não é pouca coisa que estará em jogo em Genebra na semana que vem. Os discursos são sempre positivos, mostrando boa vontade no encaminhamento das questões, mas também sempre há ressalvas.
O Brasil flexibilizou suas ofertas em Nama (produtos industriais).
Mas deixa claro que, sem avanços importantes na agricultura, nada avançará. E outros países do G20, como Argentina e Índia, não são assim tão flexíveis para abrirem seus mercados a bens industriais. Os Estados Unidos e a União Européia exigem redução do protecionismo industrial desses países para diminuírem os subsídios agrícolas. Portanto, os discursos são todos na direção do "vamos resolver", mas, na prática, os "porém" podem prevalecer.
É importante conhecer bem os atores principais desse grande teatro das negociações.
O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, é francês, foi o negociador europeu por muitos anos, e sua atitude foi sempre muito defensiva quanto a abrir o mercado agrícola europeu.
Conhece profundamente a temática toda e tem autoridade para fazer avançar a rodada. Mais que isso: precisa avançar, porque, se não o fizer, seu currículo jamais será enfeitado de vitórias.
Já a representante americana, Susan Schwab, que substituiu o duro Bob Zoellick, tem dois problemas contra suas boas intenções: as eleições deste ano nos EUA criam certa dificuldade negocial, porque um novo presidente pode pensar diferente do atual. Além disso, não tem garantia nenhuma de que o Congresso americano aprove um acordo menos protecionista em Doha. Está um tanto enredada!
O negociador europeu, o inglês Peter Mandelson, com tendência mais liberal, tem sido criticado na França por esse viés e, naturalmente, precisa dançar conforme a música européia, e não inglesa.
E, por fim, o competente negociador brasileiro Celso Amorim tem dentro do G20, que o Brasil lidera, posições muito díspares e de difícil harmonização.
Em resumo, a ambição que aterrissa na semana que vem em Genebra é muito grande. Mas a OMC não é uma abstração: é feita de negociadores que são pessoas, com paixões, demandas, idiossincrasias, pressões e ambições que qualquer um tem. E isso também influi nas decisões finais.


ROBERTO RODRIGUES, 65, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.


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