São Paulo, sábado, 19 de agosto de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pacote não deverá reduzir juro bancário

Especialistas apontam que propostas do governo para aumentar a concorrência no setor financeiro não são novas nem eficazes

Para economistas, taxa só cai com menos compulsório e mais oferta de crédito; debate já gerou mal-estar entre governo e bancos


SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

Não são novas nem terão impacto significativo sobre o "spread" bancário e os juros as medidas em estudo no governo para tentar aumentar a concorrência no setor financeiro, de acordo com especialistas consultados pela Folha.
Das propostas divulgadas pelo ministro Guido Mantega -criação do cadastro positivo, portabilidade do crédito, DOC reverso e redução da contribuição dos bancos ao Fundo Garantidor de Crédito-, quase todas já existem na prática. O debate já gerou ruídos entre a Fazenda e a Febraban (federação dos bancos), que chegou a desautorizar seu economista-chefe anteontem após ele ter feito críticas às propostas do governo.
A medida considerada mais eficaz, o cadastro positivo -relação dos bons pagadores acessível a todas as instituições financeira-, vem sendo estudada desde o governo passado. Mas, de fato, já existe.
Há dois anos os bancos informam ao Banco Central o saldo de todas as operações superiores a R$ 5.000, o que permite saber o grau de endividamento de cada tomador de recursos. "Se isso for feito com as operações menores, pode ser mais factível que o cadastro positivo", diz Mário Sérgio Vasconcelos, diretor de relações institucionais da Febraban.
O "DOC reverso" -transferência de salários depositados em um banco para outro com menos burocracia- já está na pauta dos bancos, que disputam as contas de funcionários municipais e estaduais. E a transferência de créditos também já vem sendo praticada na disputa por novos clientes.

"Spread" em alta
Para especialistas, os juros e o "spread" -diferença entre as taxas que os bancos pagam para captar recursos e as que cobram ao emprestar ao cliente- são altos porque a oferta de crédito é menor que a demanda.
"A demanda potencial de crédito equivale a 100% do PIB [Produto Interno Bruto], mas o crédito concedido corresponde a apenas de 32% do PIB", observa Alberto Borges Matias, professor da USP de Ribeirão Preto. Ele se baseia no fato de que na maioria dos países o volume de crédito supera o PIB.
Estudo do Inepad (Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração), feito a pedido da Folha com base nos balanços do primeiro semestre, mostra que desde 2004 o "spread" financeiro não pára de crescer.
Ele saiu de 7,5% em junho daquele ano para 8,6% em 2006. Em dezembro do ano passado, esse percentual era ligeiramente menor -8,4%. Já o "spread" total calculado pelo Inepad, que inclui as tarifas bancárias na conta, saiu de 12,2% para 12,5% no período.
"Houve um leve aumento do "spread", mas chama a atenção a mudança na sua composição", diz Edson Carminatti, analista do Inepad. Os lucro dos bancos, que representava 22% do "spread" em dezembro passado, em junho passou para 25%. Os impostos caíram de 16% para 11%, e a inadimplência saltou de 16% para 22%.
O maior componente do "spread", entretanto, continua sendo o custo estrutural dos bancos -representava 46% em dezembro de 2005 e em junho deste ano caiu para 42%.

Medidas inócuas
Com base nesse estudo, Borges Matias, que é também presidente do Inepad, diz que as medidas em gestação no governo nada têm a ver com o "spread" bancário, já que seu principal componente são os custos estruturais dos bancos. "O custo dos bancos brasileiros é semelhante ao dos americanos, que têm um volume de operações quatro vezes maior."
Para ele, a concorrência no setor só ocorrerá com o aumento da oferta de crédito por meio da redução do compulsório. Hoje, 45% dos depósitos à vista nos bancos são recolhidos ao Banco Central, sem remuneração. Outros 8% também ficam retidos pelo BC, que paga por eles a Selic (14,75% ao ano).
Miguel Oliveira, vice-presidente da Anefac, diz que, "se não crescer a oferta de crédito para haver disputa de clientes entre os bancos, o "spread" não cairá de forma significativa.
Segundo ele, "só quando houver muito dinheiro disputando clientes é que o "spread" vai baixar". Nesse sentido, ele defende a redução escalonada do compulsório, condicionada ao direcionamento dos recursos para crédito.
Para Guilherme Maia, economista da Tendências, o "spread" é alto porque há uma "assimetria de informações" no mercado. Ou seja, os bancos não conseguem diferenciar o bom e o mau pagador, por isso cobra juros altos nos empréstimos, elevando o "spread" para se proteger do risco de inadimplência. "Com um cadastro dos bons pagadores, seria possível expandir a carteira de crédito com juros menores."


Texto Anterior: Mercado Aberto
Próximo Texto: Gesner Oliveira: De acordo com a China
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.