São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2007

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Duração das incertezas e EUA ditarão a extensão da crise

Desaquecimento americano pode afetar China e exportadores de commodities

Países como o Brasil, ainda dependentes da venda de produtos básicos a mercados como o chinês, podem reduzir saldo comercial

DA REPORTAGEM LOCAL

O quanto vai durar a atual crise financeira e quais impactos ela terá na maior economia do mundo, a dos EUA, são as duas incógnitas que mais preocupam empresários e analistas.
Grande parte da poupança dos americanos está no mercado de ações, e o consumo no país é financiado, basicamente, por crédito. Se as ações continuarem se desvalorizando e a concessão de empréstimos se tornar mais seletiva como resultado da atual crise (que é uma crise de crédito), os americanos terão menos dinheiro para gastar com o consumo.
Nos EUA, o volume de crédito na economia equivale a quase 150% do PIB (quase US$ 17 trilhões). No Brasil, ainda é de cerca de 35% do PIB.
Hoje, os EUA são os principais compradores de produtos da China, que, por sua vez, vem se abastecendo largamente de commodities (alimentos, minérios etc.) de países como o Brasil para sustentar um crescimento acima de 10% ao ano.
Na semana passada, o temor de queda da atividade nos EUA (e na China) já levou à redução no valor de commodities, que hoje sustentam boa parte do saldo comercial do Brasil.
Se os EUA "esfriarem", é natural que a China e o resto do mundo esfriem. Em 2006, os EUA foram responsáveis por 19,7% do crescimento global. A China, por 15,1%; a União Européia, por 14,7%; e o Brasil, por 2,6%. Ou seja, 35% do crescimento mundial foi determinado por EUA e China, umbilicalmente ligados por uma relação comercial e financeira onde os americanos gastam e o chineses os financiam.
"Uma diminuição na atividade nos Estados Unidos vai testar a tese de alguns de que a economia mundial se descolou da influência norte-americana. Pessoalmente, não acredito nessa tese", afirma José Francisco Gonçalves, economista-chefe do banco Fator.

Dependência dos EUA
Apesar da diversificação recente de pauta e destino das exportações brasileiras, o Brasil continua muito dependente da economia americana. Em 1998, 19,3% das vendas externas do Brasil tinham os EUA como destino. Hoje, ainda são 18%.
A China também se tornou mais importante para o Brasil, com as exportações subindo de 1,8% para 6,1% no período.
"A vulnerabilidade brasileira em relação aos EUA diminuiu. Mas a pergunta de US$ 1 milhão é saber se a crise americana será moderada ou se estamos falando de algo mais sério", afirma Fabio Giambiagi, economista do Ipea.
Para Celso Toledo, da MCM Consultores, uma das principais incógnitas da crise atual nos EUA "é que ninguém sabe ao certo onde está o problema".
"Não há certeza se a crise se restringe ao mercado de créditos de segunda linha no setor imobiliário. Na dúvida, pode haver um enxugamento da oferta de crédito até para bons pagadores, o que afetará a economia real", diz. Ele argumenta que quanto mais a crise se arrastar, maior será o risco.
Sérgio Vale, economista da MB Associados, concorda. "Estamos lidando com o estouro de uma bolha de valorização de ativos como ações. Se a crise for muito duradoura, com muita volatilidade, pode acabar afetando o mundo real e inibir investimentos. Mas não creio que já tenhamos chegado ao fim do atual ciclo de crescimento. É um ajuste no caminho", diz.
Se for confirmada a previsão de crescimento mundial ao redor de 5% neste ano, 2007 completará um ciclo de cinco anos de forte crescimento -o mais longo em mais de três décadas.

Contágio clássico
O contágio clássico de uma crise como a atual no Brasil ocorre via câmbio, quando há uma saída pronunciada de dólares do mercado local, o que eleva as cotações da moeda norte-americana.
Como boa parte da demanda interna é hoje atendida pelas importações (o comércio cresceu 9,9% no primeiro semestre, mas a indústria local apenas 4,8% -a diferença foi importada), um dólar mais caro significa risco direto de mais inflação.
Se a inflação ameaça subir, o Banco Central tende a aumentar os juros para conter o consumo e os preços. Isso acaba esfriando a economia.
Para o economista Sidnei Nehme, diretor-executivo da NGO Corretora de Câmbio, o risco de valorização excessiva do dólar ainda é limitado.
"Passada a pressão de saída de dólares, o mercado vai voltar à vidinha normal, com fluxo positivo. Nos últimos dias, ao ficarem sem liquidez [dinheiro] nos EUA, os investidores vieram aqui e "limparam a prateleira'", diz Nehme, para explicar a forte venda de ações na Bovespa por estrangeiros e as remessas que levaram o dólar acima de R$ 2 na semana passada. (FERNANDO CANZIAN)


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