São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2007

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ARTIGO

Mercados de ações têm medo de altura

ROBERT J. SHILLER

AS PERDAS acentuadas nas Bolsas mundiais neste mês servem apenas como mais um exemplo da recente instabilidade, ou assimetria, orientada para a queda nos mercados. Ou seja, os mercados vêm passando por um período de maior vulnerabilidade a grandes quedas do que a grandes altas súbitas.
As alterações diárias nas cotações das ações para o período de cem dias úteis encerrado em 3 deste mês mostravam orientação anormalmente negativa na Alemanha, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coréia do Sul, EUA, Índia, Japão, México e Reino Unido.
Esse desvio anormalmente negativo nos mercados de ações não é inconsistente com o crescimento saudável dos preços registrado nos últimos anos. Os mercados bateram recordes históricos, se aproximaram deles ou pelo menos se saíram muito bem desde 2003, compensando as grandes quedas de maneira gradual, por meio de uma sucessão de altas menores.
E o desvio negativo não é inconsistente com o fato de que as Bolsas mundiais se tenham mantido relativamente silenciosas pela maior parte do ano. Com a conspícua exceção da China e a menos conspícua exceção da Austrália, todas elas tiveram desvios padronizados baixos em seus retornos diários para os cem dias úteis encerrados em 3 deste mês se comparados às normas de país a país.
De fato, um dos grandes enigmas nos mercados americanos vem sendo a baixa volatilidade de preços desde meados de 2004, em meio ao crescimento de lucros mais volátil já visto.
Seria possível imaginar que os preços do mercado seriam igualmente voláteis, já que os investidores supostamente tentariam absorver o significado dessa volatilidade nos lucros. Mas descobrimos inúmeras vezes que eles são conduzidos mais pelos fatores psicológicos do que por arrazoados lógicos quanto aos fundamentos.
Grandes retornos negativos exercem impacto psicológico danoso sobre os mercados. As pessoas continuam a falar sobre o 28 de outubro de 1929 ou o 19 de outubro de 1987. Grandes quedas atraem a atenção, e isso estimula certas pessoas a vender, caso elas se repitam.
De fato, a disposição para sustentar o mercado depois de uma queda súbita pode estar em declínio. "O índice de confiança do mercado baseado em compra de ações após quedas", que compilamos em Yale, vem caindo gradualmente desde 2001 e, nos últimos meses, mostrou queda notável. Ele representa a proporção de pessoas que responderam dizendo "aumentaria" à pergunta: "Se o Dow Jones caísse 3% amanhã, qual seria seu palpite para o dia seguinte? Ele aumentaria, cairia ou ficaria na mesma"?
Em 2001, 72% dos investidores institucionais e 74% dos investidores individuais disseram que "aumentaria". Em maio de 2007, apenas 48% dos investidores institucionais e 59% dos investidores individuais deram a mesma resposta.
Talvez o índice tenha caído, recentemente, devido às notícias negativas sobre os mercados de crédito, especialmente o de crédito imobiliário de risco dos EUA, que causaram ansiedade acentuada sobre a solidez dos fundamentos da economia.
Mas talvez exista alguma outra coisa em jogo. Todos sabem que os mercados vinham em alta, nos últimos meses, e todos sabem que as demais pessoas sabem que uma correção é sempre possível. Assim, talvez exista uma sensibilidade subjacente a quaisquer quedas de preços, o que poderia alimentar uma sucessão de mudanças para menos na cotação das ações, reforçando as preocupações do público sobre os problemas econômicos e prenunciando uma mudança mais profunda no sentimento de investidores.


ROBERT J. SHILLER é professor de economia na Universidade Yale, economista-chefe da MacroMarkets e autor de "Exuberância Irracional" e de "The New Financial Order: Risk in the 21st Century". Copyright: Project Syndicate, 2007.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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