São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2007

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Mercado precisa de mais regulação, afirma Mantega

Para ministro, crise revelou a "falta de vontade" das autoridades mundiais para controlar segmento de operações de maior risco

Mantega também avalia que "a hora é de reforma tributária", para que a economia tenha "menos obstáculos para crescer"

GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirma que uma das lições da atual crise financeira mundial é a necessidade de as autoridades monetárias passarem a adotar um controle mais de perto do chamado mercado de derivativos -técnicas de diversificação de riscos, como contratos futuros de dólar, juros e outras operações.
Esse mercado movimenta US$ 415 trilhões no planeta e é responsável por operações de risco elevado, como aquelas relativas às hipotecas imobiliárias de qualidade ruim nos Estados Unidos e que originaram a atual fase de turbulência.
"Essa crise nos revelou uma falta de vontade das autoridades monetárias internacionais para a regulação desses mercados. São mercados muito perigosos, que sempre se recusaram a um controle."
Nesta entrevista à Folha, concedida no final da tarde de sexta em São Paulo, depois do fechamento dos mercados e de mais um dia agitado, Mantega, demonstrando bastante tranqüilidade, afirmou que agora é a hora da reforma tributária.
"A economia precisa ter menos obstáculos para crescer."
A seguir, os principais trechos da entrevista.

 

FOLHA - Qual o balanço que o sr. faz da semana?
GUIDO MANTEGA
- Nesta semana de maior nervosismo dos mercados, o Brasil foi posto à prova. É nesses momentos de dificuldades e de turbulência que a gente testa a solidez dos países. Nós pudemos demonstrar que, finalmente, o Brasil é um país sólido e com baixa vulnerabilidade externa. Se isso tivesse acontecido anos atrás, haveria fuga de capitais, o Banco Central elevaria a taxa de juros, o ministro da Fazenda telefonaria para o Fundo Monetário Internacional pedindo um empréstimo-ponte e o país abortaria um eventual processo de crescimento em curso. Hoje, em plena turbulência financeira mundial, onde falta liquidez e onde há uma fuga para a qualidade, no Brasil há saldo positivo de capital. Durante toda a nossa história, em momentos parecidos, nós sempre tivemos fuga de capitais, mas neste momento o fluxo é positivo. Existe uma saída de divisas, sim, mas concentrada nos mercados de derivativos, que é onde se localizam os ativos de maior risco, os mais especulativos. As repercussões dessa turbulência no Brasil se circunscreveram ao mercado de risco.

FOLHA - E se houver uma desaceleração nos Estados Unidos?
MANTEGA
- Na verdade, os Estados Unidos já estavam desacelerando. Há um ano, os Estados Unidos estavam crescendo 4%, e hoje estão crescendo 2,5%, tendendo a 2%. Os Estados Unidos não são mais a locomotiva do mundo e do comércio mundial. A locomotiva é a China. É claro que é importante saber o que acontece nos Estados Unidos, que é o epicentro da crise, mas a questão é saber qual a repercussão sobre a economia mundial. Vai haver desaceleração na economia americana? Vai, mas talvez não tão grande quanto se imagina. Falei hoje [sexta-feira] com o Paulson [Henry, secretário do Tesouro dos EUA] e ele disse que o restante da economia está sólido nos Estados Unidos. O resultado das empresas americanas é positivo. Os indicadores são positivos, tanto que o Fed estava relutando em baixar os juros porque há setores da economia que estão aquecidos. Essa turbulência afetou mais os bancos europeus, que se meteram com os "hedge funds" [fundos de investimento mais agressivos]. Paulson disse que a turbulência pode ser resumida da seguinte forma: "bad loans, bad credits" [empréstimos ruins, créditos ruins]. Por enquanto é uma crise do setor imobiliário americano com ramificações no sistema financeiro internacional que se dispôs a dar empréstimos ruins e agora tem créditos ruins.

FOLHA - A decisão do Fed de baixar o juro do redesconto na sexta-feira melhorou o ânimo nos mercados, mas isso não significa que a crise tenha sido superada...
MANTEGA
- Não significa. Nós continuamos num cenário de volatilidade que não se sabe quanto tempo vai durar.

FOLHA - E quais são as perspectivas da crise daqui para a frente?
MANTEGA
- Depende muito do comportamento do Fed, e é nessas horas que nós vemos o poderio do Banco Central americano. Se ele quiser fazer a economia purgar, deixar quebrar quem tiver que quebrar para fazer uma limpeza na economia, nós teremos uma turbulência mais demorada. Se ele chegar à conclusão de que o nervosismo do mercado já atingiu um patamar preocupante, que pode desencadear um efeito em cadeia e atingir a economia real, vai tomar uma atitude mais branda. Aposto numa atitude mais branda, e ele sinalizou isso.

FOLHA - O sr. acha que as autoridades financeiras têm responsabilidade por essa crise?
MANTEGA
- Essa crise nos lembra que há uma alavancagem [aplicações financiadas com empréstimos] excessiva nos mercados financeiros mundiais, um excesso no mercado de derivativos e uma falta de vontade das autoridades monetárias internacionais para a regulação desses mercados. Esses mercados nunca sofreram regulação. São mercados muito grandes, muito perigosos e que se recusaram a um controle, a uma normatização. Esse mercado de derivativos no mundo chega a US$ 415 trilhões, que é muito maior do que o PIB somado de todos os países. Uma lição que fica dessa crise é que há necessidade de se fazer uma regulamentação no mercado de derivativos. Eles não têm regulamentação e não têm limites. É preciso estabelecer regras.

FOLHA - O sr. tocou nesse tema com Paulson?
MANTEGA
- Não, mas vou falar, e esse poderá ser um tema para a reunião do Fundo Monetário Internacional.

FOLHA - Não seria a hora de dar ênfase às reformas?
MANTEGA
- Agora é a hora da reforma tributária. A economia brasileira precisa ter menos obstáculos tributários para crescer, e também uma redução da carga [tributária]. Nós caminhamos para essa redução. Um passo importante foi a Lei Geral das Microempresas. O segundo passo será a reforma tributária.

FOLHA - O governo vai acelerar a reforma tributária?
MANTEGA
- Vamos apresentar a reforma tributária ao Congresso em setembro.

FOLHA - Há chance de redução da CPMF?
MANTEGA
- Prefiro desonerar a folha de pagamento. Me parece que tem um efeito mais benéfico para a economia do que reduzir a CPMF neste momento. Como não se pode reduzir todos os tributos, prefiro desonerar a folha, que favorece o crescimento.

FOLHA - O que o sr. acha da reivindicação dos empresários de um teto para a carga tributária?
MANTEGA
- Não concordo. Seria mais um enrijecimento no Orçamento federal. Mais um dos vários enrijecimentos que existem. A rigor, nós só temos arbítrio sobre menos de 10% do Orçamento. O resto já está todo comprometido. A adoção de um teto será mais uma camisa-de-força no Orçamento.


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