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Mercado precisa de mais regulação, afirma Mantega
Para ministro, crise revelou a "falta de vontade" das autoridades
mundiais para controlar segmento de operações de maior risco
Mantega também avalia
que "a hora é de reforma
tributária", para que a
economia tenha "menos
obstáculos para crescer"
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirma que uma
das lições da atual crise financeira mundial é a necessidade
de as autoridades monetárias
passarem a adotar um controle
mais de perto do chamado mercado de derivativos -técnicas
de diversificação de riscos, como contratos futuros de dólar,
juros e outras operações.
Esse mercado movimenta
US$ 415 trilhões no planeta e é
responsável por operações de
risco elevado, como aquelas relativas às hipotecas imobiliárias de qualidade ruim nos Estados Unidos e que originaram
a atual fase de turbulência.
"Essa crise nos revelou uma
falta de vontade das autoridades monetárias internacionais
para a regulação desses mercados. São mercados muito perigosos, que sempre se recusaram a um controle."
Nesta entrevista à Folha,
concedida no final da tarde de
sexta em São Paulo, depois do
fechamento dos mercados e de
mais um dia agitado, Mantega,
demonstrando bastante tranqüilidade, afirmou que agora é
a hora da reforma tributária.
"A economia precisa ter menos obstáculos para crescer."
A seguir, os principais trechos da entrevista.
FOLHA - Qual o balanço que o sr.
faz da semana?
GUIDO MANTEGA - Nesta semana
de maior nervosismo dos mercados, o Brasil foi posto à prova.
É nesses momentos de dificuldades e de turbulência que a
gente testa a solidez dos países.
Nós pudemos demonstrar que,
finalmente, o Brasil é um país
sólido e com baixa vulnerabilidade externa. Se isso tivesse
acontecido anos atrás, haveria
fuga de capitais, o Banco Central elevaria a taxa de juros, o
ministro da Fazenda telefonaria para o Fundo Monetário Internacional pedindo um empréstimo-ponte e o país abortaria um eventual processo de
crescimento em curso. Hoje,
em plena turbulência financeira mundial, onde falta liquidez
e onde há uma fuga para a qualidade, no Brasil há saldo positivo de capital. Durante toda a
nossa história, em momentos
parecidos, nós sempre tivemos
fuga de capitais, mas neste momento o fluxo é positivo. Existe
uma saída de divisas, sim, mas
concentrada nos mercados de
derivativos, que é onde se localizam os ativos de maior risco,
os mais especulativos. As repercussões dessa turbulência
no Brasil se circunscreveram
ao mercado de risco.
FOLHA - E se houver uma desaceleração nos Estados Unidos?
MANTEGA - Na verdade, os Estados Unidos já estavam desacelerando. Há um ano, os Estados
Unidos estavam crescendo 4%,
e hoje estão crescendo 2,5%,
tendendo a 2%. Os Estados
Unidos não são mais a locomotiva do mundo e do comércio
mundial. A locomotiva é a China. É claro que é importante saber o que acontece nos Estados
Unidos, que é o epicentro da
crise, mas a questão é saber
qual a repercussão sobre a economia mundial. Vai haver desaceleração na economia americana? Vai, mas talvez não tão
grande quanto se imagina. Falei hoje [sexta-feira] com o
Paulson [Henry, secretário do
Tesouro dos EUA] e ele disse
que o restante da economia está sólido nos Estados Unidos. O
resultado das empresas americanas é positivo. Os indicadores são positivos, tanto que o
Fed estava relutando em baixar
os juros porque há setores da
economia que estão aquecidos.
Essa turbulência afetou mais os
bancos europeus, que se meteram com os "hedge funds" [fundos de investimento mais
agressivos]. Paulson disse que a
turbulência pode ser resumida
da seguinte forma: "bad loans,
bad credits" [empréstimos
ruins, créditos ruins]. Por enquanto é uma crise do setor
imobiliário americano com ramificações no sistema financeiro internacional que se dispôs a
dar empréstimos ruins e agora
tem créditos ruins.
FOLHA - A decisão do Fed de baixar
o juro do redesconto na sexta-feira
melhorou o ânimo nos mercados,
mas isso não significa que a crise tenha sido superada...
MANTEGA - Não significa. Nós
continuamos num cenário de
volatilidade que não se sabe
quanto tempo vai durar.
FOLHA - E quais são as perspectivas
da crise daqui para a frente?
MANTEGA - Depende muito do
comportamento do Fed, e é
nessas horas que nós vemos o
poderio do Banco Central americano. Se ele quiser fazer a economia purgar, deixar quebrar
quem tiver que quebrar para fazer uma limpeza na economia,
nós teremos uma turbulência
mais demorada. Se ele chegar à
conclusão de que o nervosismo
do mercado já atingiu um patamar preocupante, que pode desencadear um efeito em cadeia
e atingir a economia real, vai tomar uma atitude mais branda.
Aposto numa atitude mais
branda, e ele sinalizou isso.
FOLHA - O sr. acha que as autoridades financeiras têm responsabilidade por essa crise?
MANTEGA - Essa crise nos lembra que há uma alavancagem
[aplicações financiadas com
empréstimos] excessiva nos
mercados financeiros mundiais, um excesso no mercado
de derivativos e uma falta de
vontade das autoridades monetárias internacionais para a regulação desses mercados. Esses
mercados nunca sofreram regulação. São mercados muito
grandes, muito perigosos e que
se recusaram a um controle, a
uma normatização. Esse mercado de derivativos no mundo
chega a US$ 415 trilhões, que é
muito maior do que o PIB somado de todos os países. Uma
lição que fica dessa crise é que
há necessidade de se fazer uma
regulamentação no mercado de
derivativos. Eles não têm regulamentação e não têm limites.
É preciso estabelecer regras.
FOLHA - O sr. tocou nesse tema
com Paulson?
MANTEGA - Não, mas vou falar,
e esse poderá ser um tema para
a reunião do Fundo Monetário
Internacional.
FOLHA - Não seria a hora de dar ênfase às reformas?
MANTEGA - Agora é a hora da reforma tributária. A economia
brasileira precisa ter menos
obstáculos tributários para
crescer, e também uma redução da carga [tributária]. Nós
caminhamos para essa redução. Um passo importante foi a
Lei Geral das Microempresas.
O segundo passo será a reforma
tributária.
FOLHA - O governo vai acelerar a
reforma tributária?
MANTEGA - Vamos apresentar a
reforma tributária ao Congresso em setembro.
FOLHA - Há chance de redução da
CPMF?
MANTEGA - Prefiro desonerar a
folha de pagamento. Me parece
que tem um efeito mais benéfico para a economia do que reduzir a CPMF neste momento.
Como não se pode reduzir todos os tributos, prefiro desonerar a folha, que favorece o crescimento.
FOLHA - O que o sr. acha da reivindicação dos empresários de um teto
para a carga tributária?
MANTEGA - Não concordo. Seria
mais um enrijecimento no Orçamento federal. Mais um dos
vários enrijecimentos que existem. A rigor, nós só temos arbítrio sobre menos de 10% do Orçamento. O resto já está todo
comprometido. A adoção de
um teto será mais uma camisa-de-força no Orçamento.
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