São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2007

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A hora de Bernanke

Os olhos do mundo estão voltados para a forma como o presidente do banco central americano responde ao tumulto que reina nos mercados financeiros nas últimas semanas

Brian Snyder - 10.jul.07/Reuters
O presidente do Fed (Federal Reserve, o Banco Central dos EUA), Ben Bernanke

KRISHNA GUHA
DO "FINANCIAL TIMES"

No retiro anual do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA), há quase exatos oito anos, Ben Bernanke apresentou um estudo a Alan Greenspan e outros dirigentes de bancos centrais de todo o mundo que estavam tentando decidir como responder a mudanças nos preços das ações, títulos e outros ativos.
Na época, Bernanke era diretor do departamento de economia da Universidade Princeton e um dos mais renomados economistas acadêmicos de sua geração, ainda que seu nome fosse quase desconhecido fora dos círculos de sua profissão.
Passados oito anos, Bernanke substituiu Greenspan como presidente do Fed. Os olhos do mundo estão voltados para ele, à medida que enfrenta dilemas reais, e não teóricos, sobre como responder ao tumulto que reina nos mercados financeiros. A resposta dramática, sexta-feira, às medidas adotadas pelo Fed para colocar mais dinheiro, sob condições menos punitivas, à disposição das instituições famintas de crédito e à indicação da possibilidade de um corte de juros demonstram de que maneira as decisões dele afetam as perspectivas da economia real.
No estudo apresentado em 1999, Bernanke e seu co-autor, Mark Gertler, diziam que um BC deveria alterar as taxas de juros em resposta a mudanças nos preços dos ativos, mas apenas na extensão em que essas afetem a economia real. No ano seguinte, ele escreveu sobre o tema em termos laicos na "Foreign Policy": "Se Wall Street entrar em colapso, o mundo real seguirá o mesmo caminho? Não necessariamente".
Bernanke continua a acreditar que os dirigentes de bancos centrais mais inteligentes deveriam se manter concentrados na economia real. É esse o paradigma pelo qual ele pretende avaliar se deve ou não cortar a taxa de juros. Mas o mundo real não é tão claro quanto a vida acadêmica.
O presidente do Fed enfrenta incertezas para determinar que efeito os tumultos do mercado estão exercendo sobre a economia real. Gertler, hoje professor da Universidade de Nova York e pesquisador convidado no Fed de Nova York, diz que "eu seria o primeiro a admitir que existem áreas cinzentas".
A decisão requer a administração de grupos de pressão ruidosos e muitas vezes antagônicos. Os operadores de mercado estão em sua maioria desesperados por corte nos juros. Jim Cramer, administrador de um fundo de hedge e irreverente comentarista financeiro em uma rede de TV, apelou -ou melhor, gritou- por eles ao exigir que o Fed acorde e corte os juros. "Bernanke está sendo acadêmico. Ele não faz idéia do quanto a situação é ruim aqui fora. Ele não faz idéia!"
Mas muitos economistas e dirigentes de BCs acreditam que um corte de juros acarrete o chamado "risco moral" envolvido no socorro a investidores irresponsáveis. Bill Poole, presidente do Fed regional de St. Louis, disse que só uma "calamidade" justificaria um corte agora. A decisão de anteontem representa um compromisso entre os dois campos. Mas os operadores se regozijaram, e um analista de TV disse que Bernanke é um "astro do rock".
Os investidores amavam Greenspan, que ao longo dos anos conseguiu evitar uma série de crises financeiras. Mas alguns economistas atribuem a ele a responsabilidade por fazer com que os investidores acreditem que, caso as coisas estejam indo realmente mal, o Fed irá socorrer os mercados.

Pressões
Essa não é a primeira vez que Bernanke coloca sua reputação em jogo. No segundo trimestre de 2006, com apenas dois meses de experiência no cargo, os investidores começaram a embutir em suas decisões uma alta na expectativa inflacionária. Os operadores zombavam de "Ben Helicóptero", apelido surgido de declarações do dirigente -ele disse que o Fed poderia sempre deter a deflação jogando dinheiro de um helicóptero.
Bernanke provou, então, que não aceita pressões. Respondeu com um discurso duro, no qual criticava aqueles que punham em dúvida sua credibilidade como líder na luta contra a inflação. Poucos meses mais tarde, ele decidiu suspender uma seqüência de altas nas taxas de juros, o que lhe valeu a admiração de seus colegas no Fed, por não ter imposto riscos desnecessários à economia somente para preservar a sua reputação pessoal.
"Uma das coisas que ele tem em comum com Greenspan é a calma. Na verdade, o termo mais correto seria dizer que é um homem inabalável", afirma Alan Blinder, também professor em Princeton e ex-vice-presidente do Fed. "Greenspan era calmo em meio à tempestade. Bernanke é igual".
Mesmo que lhe falte o toque político astuto de seu predecessor, Bernanke não ignora o contexto político de suas decisões. Antes de assumir o comando do Fed, ele foi presidente de uma unidade regional do BC e do conselho econômico da Casa Branca. E continua bem relacionado com funcionários da Casa Branca, mas também se aproximou de lideranças democratas no Congresso, onde figuras importantes apreciam sua humildade, se comparada ao comportamento do "tio Al".
No entanto, são seus instintos de historiador e teórico da economia, estudioso da Grande Depressão e de outras crises financeiras, que servirão para orientá-lo agora. Larry Meyer, ex-presidente de uma unidade do Fed e presidente do conselho da Macroeconomic Advisers, diz que Bernanke sabe melhor que a maioria dos estudiosos como o sistema de crédito funciona e o papel que a caução exerce nele, já que escreveu extensamente sobre o tema.
Acima de tudo, ele tem a confiança intelectual necessária para tomar grandes decisões, reforçada por uma infância precoce, em que entrou direto para a segunda série da escola e foi o primeiro colocado nos exames de admissão universitária na Carolina do Sul, antes de optar para seus estudos pela Universidade Harvard e pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts.

Confiança
Os observadores casuais muitas vezes confundem seu comportamento modesto e estilo consensual com falta de assertividade. Mas o fato é que Bernanke é muito confiante e firme nas discussões. "Não se pode blefar contra ele intelectualmente", diz Gertler, que já dividiu uma casa com ele.
Gertler diz que a única ocasião em que viu Bernanke sair derrotado intelectualmente foi quando os dois e Anna, a mulher de Bernanke, enfrentaram Ken Rogoff, hoje professor de Harvard, no xadrez. "Ken jogou de costas para o tabuleiro e ainda assim derrotou nós três."
Mas mesmo os admiradores de Bernanke admitem que lhe faltam as décadas de experiência de mercado e a lendária intuição de seu predecessor quanto aos dados sobre a economia real, que muitas vezes se provaram cruciais em momentos de crise. Bernanke confia mais profundamente em seus assessores e recorre a um círculo mais amplo deles, se comparado a Greenspan.
Mas suas ações determinarão se ele dispõe da capacidade de julgamento e de liderança para determinar quando uma crise financeira corre o risco de se tornar crise econômica e, caso isso aconteça, se sabe como intervir para resolvê-la.
"Ele leva muito a sério a questão do risco moral", diz Blinder. "Isso posto, também está muito consciente da responsabilidade do Fed em não permitir que a economia vá por água abaixo. Eis o dilema."


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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