São Paulo, Domingo, 19 de Setembro de 1999
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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Economia mundial se purga na crise

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

A expressão "queima de capital", associada a crises em que há destruição em grande escala de empresas e países, ganhou na semana passada uma expressão concreta, numérica. Bancos e investidores perderam US$ 350 bilhões, quase metade do PIB brasileiro, apenas ao longo de 1997 e 1998. Os dados foram divulgados na última sexta-feira pelo "International Institute for Economics" (IIE), entidade que representa 300 instituições financeiras privadas do mundo todo.
Mais interessante, no entanto, é perceber a razão para o "Institute" ter divulgado uma cifra tão elevada e precisa. Para a organização, seus membros não devem ser forçados a participar na solução das crises financeiras. Se derem alguma contribuição, ela deve ser caso a caso e voluntária.
É a primeira e mais contundente reação do sistema financeiro internacional privado às pressões crescentes, nos últimos dois anos, feitas pelos organismos financeiros públicos e multilaterais, no sentido de jogar sobre os especuladores globais uma parcela dos custos de reestruturação e refinanciamento de dívidas de países mais pobres e suas empresas.
A resposta é clara, é como se a entidade dos bancos dissesse: "também somos vítimas". Em lugar de pagar pelo estrago, os bancos se consideram uma parte do problema. Parecem ameaçar. Se forem molestados, a crise volta.
Outra contrapartida desse raciocínio é considerar sempre justificada a socialização de prejuízos, ou seja, a destinação de recursos públicos para o resgate de instituições financeiras falidas ou que passam por sérias dificuldades. Na prática, é o que se tem verificado tanto na América Latina quanto no Japão ou nos EUA.
No entanto, o principal economista do IIE, Charles Dallara, afirma que essa ilação não se sustenta. No México, na Coréia do Sul e no Brasil, ele diz, não houve em hipótese alguma resgate ("bail out") de bancos privados pelo setor público. Ele apresentou suas considerações e o relatório do IIE, como faz todo ano, antecipando-se às reuniões do FMI e do Banco Mundial. Tive oportunidade de assistir a uma de suas apresentações, antes da crise recente nos emergentes. Na época, ele argumentava que os organismos financeiros multilaterais (leia-se, crédito público) eram totalmente desnecessários e que os bancos poderiam e saberiam, por si mesmos, direcionar de modo racional seus recursos pelo mundo.
Esse diagnóstico ficou para trás. Agora o IIE reconhece que seus membros calcularam mal. E um dos principais erros, por exemplo na Rússia, foi acreditar que o governo jamais permitiria uma quebra financeira. Ou seja, fizeram exatamente o oposto do que Dallara recomendava antes da crise.
Essas contradições ilustram de modo perverso como o fim da crise na economia mundial ainda está distante. Mesmo os mais ardorosos defensores da auto-suficiência do mercado e das instituições financeiras erraram feio, paradoxalmente por acreditarem que por trás do mercado havia Estados que os protegeriam em última instância. Agora, invertendo o raciocínio, sugerem que os Estados deixem os bancos e o mercado em paz, pois já houve perdas demais.

Recessão nos EUA
O fato é que ninguém sabe ao certo se as perdas foram suficientes ou se a crise acabou, como sugeriu também na semana passada o próprio FMI. Na contracorrente, o economista pop Lester Thurow previu nos últimos dias que os EUA estão às vésperas de uma profunda recessão. Se ela de fato vier, os US$ 350 bilhões de perdas estimadas pelo IIE podem vir a parecer nada mais que um amargo aperitivo.


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