São Paulo, Domingo, 19 de Setembro de 1999
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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Roma locuta...

LUIZ GONZAGA BELLUZZO
O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial advertem: a livre movimentação de capitais pode fazer mal à saúde de sua economia. As duas instituições nascidas em Bretton Woods, e responsáveis pela formulação do ideário conhecido como "Consenso de Washington", recomendam cautela aos países em desenvolvimento que ainda pretendem avançar no processo de liberalização da conta de capitais e do balanço de pagamentos.
Tais advertências, um tanto tardias, estão distribuídas nas páginas dos últimos relatórios das Comadres de Washington. São elas o International Capital Market, o FMI e o World Development Report do Banco Mundial.
A imprensa nativa sempre repercute esses relatórios ao som de trombetas e fanfarras. Desta vez não foi diferente, a não ser pelo ar de espanto e desconforto da "turma do gargalho", aquela que mergulhou sem bóia nas corredeiras da globalização financeira.
Seria exagerado dizer que as idéias boas não são novas, mas os relatórios confirmam a suspeita de que muitas idéias velhas podem ser úteis. A certa altura, o World Development Report constata que a "liberalização da conta de capital influencia a estabilidade financeira doméstica porque o investimento de portifólio pode ser volátil".
Os economistas do Banco Mundial não atribuem a volatilidade apenas aos erros ou desmandos das políticas econômicas dos países emergentes. Ensina que "o acesso ao mundo financeiro global pode significar uma maior exposição às mudanças de sentimento dos investidores institucionais nos países industrializados".
O texto do Banco Mundial lembra -não apenas na análise, mas no tom e no estilo- os escritos de Nurkse, Keynes e Viner que tratavam dos problemas monetários e financeiros dos anos 20. Questionavam o papel negativo -para a estabilidade das economias nacionais- desempenhado pela livre movimentação de capitais.
Keynes observou que, entre as guerras, o arranjo monetário e financeiro permitiu a livre remessa e aceitação de fundos de capitais internacionais por motivos de fuga, especulação ou investimento. Uma grande parte de tais fluxos deixou de corresponder ao desenvolvimento de novos recursos. Às vésperas da Segunda Guerra a degeneração foi completa e os fundos começaram a sair dos países que tinham balança deficitária na direção daqueles em que a balança era favorável.
Hoje, como naqueles tempos, os movimentos de capitais vêm reforçando a supremacia dos mercados financeiros do país de moeda dominante. As sucessivas crises das moedas e dos mercados financeiros na periferia vêm incitando a demanda de ativos denominados em dólar, a despeito do crescimento do déficit em transações correntes dos Estados Unidos.
Os mercados financeiros "internacionalizados" estão permanentemente sujeitos a acidentes graves e essas crises vêm acarretando ajustamentos intoleráveis para os países de "moeda fraca".
Na última semana um diretor do Banco Central ameaçou o país com medidas que anunciam uma progressiva liberalização dos movimentos de capitais e maiores facilidades e garantias para as remessas de rendimentos para o exterior.
A vantagem dos ideólogos e praticantes do novo e sempre velho liberalismo é que eles estão dispensados de se submeter ao teste da experiência. Nada mais parecido com o pensamento crítico.



Luiz Gonzaga Belluzzo, 57, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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