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São Paulo, sexta-feira, 19 de setembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Escutem a voz da economia

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O grande sábio da política brasileira Ulisses Guimarães dizia que o conselho mais importante que, depois de uma carreira especial, ele poderia dar aos políticos mais jovens era: "Escutem sempre a voz das ruas para orientar sua ação". Creio que o mesmo conselho possa ser dado aos economistas: "Acompanhem com cuidado os agregados macroeconômicos, mas escutem sempre a voz da economia real".
Esse caminho, que venho trilhando há bastante tempo, não é o mais fácil que se pode escolher. Uma alternativa mais confortável é a de se esconder atrás dos modelos econométricos e de alguns dogmas de fácil entendimento, deixando de lado o acompanhamento das pulsações, nem sempre lineares, da chamada economia real.
Vivemos hoje no Brasil um desses momentos em que a falta de capacidade para ouvir as vozes da economia está provocando um custo imenso. O Copom, na sua última reunião, decidiu seguir o consenso do mercado, e não os sinais emitidos pela economia real. Mais de dois terços dos economistas ligados ao sistema financeiro esperavam um corte de juros de dois pontos percentuais, de 22% para 20%. Isso apesar de os mercados futuros de juros apontarem uma taxa Selic de 18% para todo o ano de 2004.
A primeira pergunta que um analista mais perspicaz faria é a seguinte: se o mercado espera juros de 18% anuais para todo o ano de 2004 e a economia está tão fraca, por que não antecipar esse cenário para agora? Os benefícios seriam evidentes: menor conta de juros para o Tesouro e devedores privados, uma antecipação do aumento do consumo e uma força a menos no processo de valorização de nossa moeda.
Se os membros do Copom tivessem o hábito saudável de olhar para os sinais que a economia vem emitindo nos últimos meses, a tomada dessa decisão poderia ser fortalecida. As mais recentes previsões sobre o crescimento do PIB, neste ano, já apontam um número entre 0,5% e 0%. Alguns analistas sussurram baixinho, longe dos microfones, que poderemos ter, pela primeira vez depois de 1990, uma queda do PIB.
De qualquer forma, não há dúvidas de que a desaceleração econômica vem se aprofundando nestas últimas semanas. Os sinais estão ao alcance daqueles que não estão tomados por uma conivência, interessada ou não, com a política de juros elevados do BC. A arrecadação de tributos do governo federal vem caindo, de maneira acentuada, e em agosto já foi R$ 800 milhões menor do que a estimada pelo mercado financeiro; o saldo de nossa balança comercial surpreende a todos, mostrando que, a cada mês que passa, um maior volume de produção é desviado do mercado interno para o exterior e que o volume de importações se reduz; o desemprego industrial também segue uma tendência monotônica de queda.
Manter os juros elevados por mais dois ou três meses é uma opção inexplicável do Banco Central. Basta um olhar desinteressado, mas inteligente, para a curva dos juros futuros do mercado para entender esse meu mau humor com o sr. Meirelles e a equipe que o acompanha. Não são os bancos e operadores do mercado financeiro os responsáveis por essa distorção, mas sim os sábios sem sabedoria do Copom.
Mas vamos aprofundar um pouco nosso andar de economista curioso pelos caminhos de economia brasileira, neste final do primeiro ano de mandato do presidente Lula. A queda real da renda do trabalhador brasileiro nestes últimos 12 meses é impressionante. Primeiro pelo recrudescimento da inflação a partir do último trimestre do ano passado. Com as empresas reduzindo seus níveis de produção, os dissídios coletivos anuais trouxeram aos trabalhadores aumentos salariais que não recuperaram as perdas passadas. O Dieese informou que menos da metade dos trabalhadores conseguiu reposição total da inflação passada.
Depois veio a violenta correção dos preços indexados, tarifas públicas, as mensalidades escolares e os planos de saúde, que reduziram ainda mais a parcela dos salários alocada ao consumo menos essencial. Um grande banco brasileiro calcula que o peso dos serviços essenciais, que representavam cerca de 16% da renda dos brasileiros em 2002, tenha passado para mais de 23% neste ano. Uma redução de mais de 7% na parcela livre para consumo.
Finalmente, o número de trabalhadores sem colocação vem aumentando mês a mês. Com isso, o consumo interno, que move quase dois terços de nossa economia, reduziu-se de forma impressionante. A situação só não foi pior porque as empresas brasileiras mais eficientes desviaram parte importante de sua produção para o exterior.
Somente surdos para não ouvir essas vozes do lado real!


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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