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São Paulo, sexta-feira, 19 de setembro de 2003

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LUÍS NASSIF

O avanço do crime

Nos últimos anos foram criados inúmeros instrumentos de combate à corrupção pública. A reformulação do Ministério Público foi uma delas, a da Corregedoria Geral da República, outra. O avanço da investigação por parte da mídia, uma terceira. Houve exageros evidentes, especialmente dos jornalistas que passaram a utilizar o escândalo como instrumento de chantagistas e de procuradores à cata de poder ou promoção.
Gradativamente esses exageros começam a ser corrigidos. A criação da Associação dos Jornalistas Investigativos é um marco, um grupo responsável, buscando aprimorar as formas de investigação, passando a atuar tecnicamente.
Mesmo assim, há um desafio gigantesco pela frente. Nos últimos anos consolidaram-se distorções na economia, fruto de um conjunto de irresponsabilidade de políticas públicas.
Numa ponta, a inacreditável derrama fiscal que se abateu sobre o país, para pagar os juros da dívida criada pelos erros conceituais do Plano Real, com a política de apreciação da moeda com juros altos, e do descontrole nos gastos públicos correntes. Somou-se a isso uma visão defeituosa de responsabilidade fiscal, que privilegiou o aumento de tributos, em detrimento da gestão de despesas. Além do aumento, criou-se um cerco severíssimo à economia formal, com o desenvolvimento de novas formas de fiscalização, multas pesadíssimas e um poder incontrastável à fiscalização, sem que as corregedorias conseguissem avançar no controle da máquina.
No pano de fundo desse cenário, o total descuido sobre as formas de gestão pública. Não se cuidou de reformar o Estado, de implantar controles informatizados, de simplificar os procedimentos legais -facilitando o achaque, a criação de dificuldades para vender facilidades-, ao mesmo tempo em que se criavam facilidades enormes para que o dinheiro do crime se legalizasse por meio do descontrole das contas CC-5 e da possibilidade de retorno ao país por outros meios.
Outro fator foi a desregulamentação de diversos setores -como o da distribuição de combustíveis- sem a criação de um aparato regulador eficaz. Ao mesmo tempo, a reação contra a vinculação das sentenças judiciais abriu espaço para a proliferação das liminares de primeira instância e a ampliação da economia informal ou do crime organizado em diversas áreas.
O resultado foi um gigantesco avanço do crime organizado e sua infiltração na máquina pública. Ou seja, diminuiu a corrupção de governo, mas houve avanço enorme da corrupção de Estado.
O episódio dos policiais paulistas envolvidos com o contrabandista de cigarros é apenas uma ponta ínfima do iceberg.
O combate ao crime organizado não passa apenas pela ação do Ministério Público, da mídia, do Tribunal de Contas e da Polícia Federal. Implica muito mais: um projeto eficaz de reforma administrativa, com a implantação de modernos sistemas informatizados e a criação de uma força-tarefa para reforçar a correição em todos os níveis.

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Luisnassif@uol.com.br


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