São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

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"ISSO É LUXO"

Projetos que priorizam a experiência do consumo e mesclam moda, arte, alimentação e música se espalham pelo mundo

Lojas adotam estilo de clubes para vender

FIONA HARKIN
DO "FINANCIAL TIMES"

É 1h em São Paulo, e o barman me serve um novo martini de lichia, com uma piscadela. Nesse restaurante subterrâneo, estou cercada de gente bonita e sofisticada e por palmeiras de três andares de altura plantadas na areia de uma pequena praia interna.
Ostentando muito estilo e juventude, os paulistanos não portam bolsas com marcas evidentes e não se identificam por meio de rótulos de tamanho exagerado. O barman enfeita meu drinque com uma orquídea púrpura, e eu respondo com um sorriso. Acho que peguei o tom do Clube Chocolate.
Não, não estou chapada de doces. Em lugar disso, estou curtindo a atmosfera de festa, em um restaurante lotado instalado em uma nova loja especializada em estilo de vida, aninhada em meio às elegantes e dispendiosas butiques da rua Oscar Freire.
O Clube Chocolate, um projeto ousado, em forma de cubo, serve como exemplo para as lojas conceituais que vêm pipocando em todo o planeta, de Nova York e Paris a Bancoc e Dubai.
Atendendo a uma clientela preocupada com estilo e entediada com as ofertas das ruas genéricas de consumo de luxo, essas lojas exclusivas, de atmosfera semelhante à de um clube noturno, misturam alta moda e design local e mesclam produtos como flores, comida, música e arte.
O resultado é nem tanto uma pequena loja de departamentos, mas uma atitude diferente, e quase íntima, para com o consumo de luxo, voltada aos consumidores mais exigentes, ávidos por produtos novos e singulares a cada visita, e oferecendo uma experiência de consumo diversificada, tudo isso envolto em um ambiente social e esteticamente agradável.
No Clube Chocolate, os produtos, que variam de sapatos Valentino e revistas internacionais de moda a brinquedos japoneses colecionáveis e acessórios do hotel Copacabana Palace, do Rio de Janeiro, ficam todos agrupados sob temas como "romântico", "minimalista" e "natural".
A um continente de distância, em Dubai, um país que se desenvolve rapidamente, Zayan Ghandour, proprietária de uma loja de estilo de vida chamada S*uce, tem um lema para suas compras, a fim de garantir uma oferta igualmente eclética para seus clientes locais e expatriados, viciados em compras e despreocupados quanto aos preços. "Misture e nunca combine é o nosso mantra", diz.
Ghandour mantém estoques mínimos e se concentra em "aparelhos" de estilo de vida e em marcas de moda especializadas, como Essa Kaftans, Tata Naka e Vanessa Bruno, sabendo que seus clientes "não querem mais os produtos que estão disponíveis para que qualquer um compre".
Outra loja que opta por essa espécie de fluxo sazonal é a Utowa Creative Consulting Company, localizada na região do Flatiron Building, em Nova York, uma loja conceitual de estilo de vida que se define como "uma experiência de varejo que reúne moda, cosméticos e flores para criar uma experiência sensória deslumbrante".
O toque pessoal corre o risco de desaparecer nos monolíticos shopping centers de porte imenso que se oferecem como o futuro do varejo em Bancoc, uma das cidades em rápido de desenvolvimento que está ansiosa por conquistar reputação como um centro de consumo para a Ásia.
No entanto, um empreendedor do ramo de imóveis, Pornsak Rattanamethanon, criou um ponto de consumo mais íntimo, chamado H1 Project, que mistura espaços relaxantes com uma variedade de restaurantes e outras lojas inovadoras. Há uma loja de mobília italiana, uma sorveteria, uma livraria especializada em arte e design e uma mistura de papelaria e loja de artigos fotográficos.
Rattanamethanon protesta contra os shoppings e seu clima sanitizado por ar-condicionado. Ele acredita em uma filosofia de "voltar à natureza", que na prática se traduz em espaços em forma de L, cada qual dotado de um jardim.
Essa espécie de varejo que mistura o luxo e componentes orgânicos, em estilo reflexivo, localizado e diversificado, não passou despercebido entre os grandes conglomerados de moda.
O grupo Giorgio Armani está mantendo a estratégia de varejo de múltiplas marcas, à medida que se expande, depois de encontrar uma maneira criativa de construir suas lojas. O Three on the Bund, o impressionante complexo de lojas que o grupo abriu em Xangai em abril, combina uma butique Giorgio Armani, uma loja Emporio Armani e uma loja que vende diversas marcas internacionais de moda e estilo de vida, além da floricultura Armani Fiori e da doceira Armani Dolci.
A divisão japonesa da Louis Vuitton também se dedicou a promover a experiência do luxo e neste mês abriu a Celux, uma loja, clube e salão exclusivo para membros, em Tóquio. O que mais se poderia esperar de uma loja cujo nome deriva da expressão francesa "c'est luxe" ("isso é luxo")? A experiência oferecida é propiciar ao cliente a chance de influenciar o design de itens exclusivos como relógios, malas e até um carro projetado pela Louis Vuitton.
Beber sofisticados coquetéis após a meia-noite, acompanhado pelos privilegiados, em uma elegante microloja, envolve mais a experiência do consumo do que os produtos mesmos; não estamos falando de lojas de estilo de vida criadas para promover produtos de uma determinada marca, mas do moderno luxo de uma vida conduzida pelo design.


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