São Paulo, quarta-feira, 19 de setembro de 2007

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Além dos efeitos especiais

A indústria cresce mais que o limite para não pressionar o uso da capacidade com o atual nível de investimento

NA SEMANA passada, o IBGE divulgou as contas nacionais relativas ao segundo trimestre de 2007, revelando uma expansão de 5,4% do PIB na comparação com o mesmo período do ano passado, a taxa mais vigorosa nesse conceito desde o segundo trimestre de 2004. À luz desses números, mesmo os mais teimosos detentores do Oscar de efeitos especiais em economia têm que se render às evidências acerca do ritmo da produção, o que não significa, porém, que tenham aprendido a lição.
Enquanto esses analistas se entregavam ao nada saudável esporte de negar os dados, o exame mais cuidadoso da forma como a economia reage às políticas monetária e fiscal já indicava uma aceleração clara da atividade em 2007. Impossibilitados agora de persistir na negação da realidade, tais analistas -convenientemente "esquecendo" a alegação anterior, de que o país passava por acentuado processo de "desindustrialização", com queda do investimento- agora brandem o aumento do investimento, de quase 10% nos últimos quatro trimestres, como prova definitiva de que não enfrentaremos pressões inflacionárias. Dado esse crescimento, segue a cantiga, não haveria razões para se preocupar com o crescimento da demanda, pois a capacidade produtiva da economia também se expandirá.
Se alguém esperava algo mais ao fim dessa última afirmação, por exemplo, uma estimativa de quanto o investimento adiciona à capacidade produtiva da economia, saiba que não está sozinho. Mantendo uma sólida tradição de certos círculos, quando se trata de dar uma expressão numérica a argumentos econômicos, o silêncio é ensurdecedor.
Na verdade, em que pese a rápida expansão do investimento, a formação de capital subiu apenas de 16,4% para 17,7% do PIB entre o segundo trimestre de 2006 e o segundo trimestre de 2007. Isso deve adicionar algo como 0,3% ano ano à taxa de crescimento do PIB potencial, um dado positivo, mas provavelmente insuficiente para impedir o aumento continuado do grau de utilização de recursos.
De fato, num trabalho recente, com a contribuição inestimável de Cristiano Souza, estimamos que um aumento de 10% da produção industrial se traduza num aumento de 2,2% do nível de utilização da capacidade na indústria, enquanto um aumento de 10% do investimento industrial reduz a utilização da capacidade em 0,7%. Não é difícil concluir, pois, que -para manter inalterado o nível de utilização de capacidade- o investimento deva crescer o triplo da produção (2,20,7).
Tal resultado sugere que, com base nas estimativas da absorção de bens de capital durante os primeiros sete meses deste ano, a indústria possa crescer daqui para a frente cerca de 5% ao ano sem pressionar a utilização de capacidade. Em contraste, o crescimento da indústria nos últimos meses tem ficado em torno de 6% e deve se acelerar, indicando que o processo de aumento de utilização de capacidade deverá continuar além dos quase dois pontos percentuais de aumento já registrados entre janeiro e julho.
Não basta, pois, declarar que o crescimento do investimento aumenta a capacidade produtiva da economia e esperar que essa obviedade equilibre demanda e oferta agregadas. A moral da história, além da possibilidade de pressão adicional sobre a inflação, é que a análise econômica séria não comporta afirmações que não sejam traduzidas em números, mesmo que baseadas nos mais fantásticos efeitos especiais.


ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 44, é economista-chefe para América Latina do Banco Real, é doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com
alexandre.schwartsman@hotmail.com


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