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ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Além dos efeitos especiais
A indústria cresce mais que o
limite para não pressionar
o uso da capacidade com o
atual nível de investimento
NA SEMANA passada, o IBGE
divulgou as contas nacionais
relativas ao segundo trimestre de 2007, revelando uma expansão de 5,4% do PIB na comparação
com o mesmo período do ano passado, a taxa mais vigorosa nesse conceito desde o segundo trimestre de
2004. À luz desses números, mesmo
os mais teimosos detentores do Oscar de efeitos especiais em economia têm que se render às evidências
acerca do ritmo da produção, o que
não significa, porém, que tenham
aprendido a lição.
Enquanto esses analistas se entregavam ao nada saudável esporte de
negar os dados, o exame mais cuidadoso da forma como a economia
reage às políticas monetária e fiscal
já indicava uma aceleração clara da
atividade em 2007. Impossibilitados agora de persistir na negação da
realidade, tais analistas -convenientemente "esquecendo" a alegação anterior, de que o país passava
por acentuado processo de "desindustrialização", com queda do investimento- agora brandem o aumento do investimento, de quase
10% nos últimos quatro trimestres,
como prova definitiva de que não
enfrentaremos pressões inflacionárias. Dado esse crescimento, segue a
cantiga, não haveria razões para se
preocupar com o crescimento da demanda, pois a capacidade produtiva
da economia também se expandirá.
Se alguém esperava algo mais ao
fim dessa última afirmação, por
exemplo, uma estimativa de quanto
o investimento adiciona à capacidade produtiva da economia, saiba que
não está sozinho. Mantendo uma
sólida tradição de certos círculos,
quando se trata de dar uma expressão numérica a argumentos econômicos, o silêncio é ensurdecedor.
Na verdade, em que pese a rápida
expansão do investimento, a formação de capital subiu apenas de 16,4%
para 17,7% do PIB entre o segundo
trimestre de 2006 e o segundo trimestre de 2007. Isso deve adicionar
algo como 0,3% ano ano à taxa de
crescimento do PIB potencial, um
dado positivo, mas provavelmente
insuficiente para impedir o aumento continuado do grau de utilização
de recursos.
De fato, num trabalho recente,
com a contribuição inestimável de
Cristiano Souza, estimamos que um
aumento de 10% da produção industrial se traduza num aumento de
2,2% do nível de utilização da capacidade na indústria, enquanto um
aumento de 10% do investimento
industrial reduz a utilização da capacidade em 0,7%. Não é difícil concluir, pois, que -para manter inalterado o nível de utilização de capacidade- o investimento deva crescer
o triplo da produção (2,20,7).
Tal resultado sugere que, com
base nas estimativas da absorção
de bens de capital durante os primeiros sete meses deste ano, a indústria possa crescer daqui para a
frente cerca de 5% ao ano sem
pressionar a utilização de capacidade. Em contraste, o crescimento
da indústria nos últimos meses
tem ficado em torno de 6% e deve
se acelerar, indicando que o processo de aumento de utilização de
capacidade deverá continuar além
dos quase dois pontos percentuais
de aumento já registrados entre janeiro e julho.
Não basta, pois, declarar que o
crescimento do investimento aumenta a capacidade produtiva da
economia e esperar que essa obviedade equilibre demanda e oferta
agregadas. A moral da história,
além da possibilidade de pressão
adicional sobre a inflação, é que a
análise econômica séria não comporta afirmações que não sejam
traduzidas em números, mesmo
que baseadas nos mais fantásticos
efeitos especiais.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 44, é economista-chefe
para América Latina do Banco Real, é doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com
alexandre.schwartsman@hotmail.com
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